Entrevista NECESSÁRIA: Carolina Virgüez – Atriz.

O Blog/Site em suas – Entrevistas NECESSÁRIAS – acolhe, com muito a nos oferecer, essa mulher/artista que é sinônimo de serenidade, empatia, inexorável em cena e de vocação indiscutível para o universo das artes.

É a delicadeza em serena presença e implacável vigor cênico que a chancela no ofício.

Atriz pela Universidade do RJ; Mestre em estudos contemporâneos das artes; licenciada em teatro; Tradutora português-espanhol e professora de interpretação.

Recebeu o prêmio Questão de Crítica por traduções de 14 obras de dramaturgos brasileiros.

No cinema, trabalhou em Hollywood com Bill Condon; no filme “Veneza” de Miguel Falabella e protagonizou “Casa Flutuante”, com direção de José Nascimento.

Dentre outras cenas teatrais, esteve presente em: “A Maldição do Vale Negro”, de Caio Fernando Abreu; “Corpos Opacos”, direção de Yara de Novaes; “O Baile”, de Dácio Lima; e o recente e avassalador “Vozes do Silêncio – Filme não Filme – de Fábio Ferreira.

Trabalhou em Stratford e Londres com a Cia. BufoMecânica na Royal Shakespeare Company.

Detentora dos prêmios: Moliére, Mambembe, Shell, Questão de Crítica e APTR. Ufa! Quanto talento e competência que imediatamente, logo abaixo, ela vai no contar e esmiuçar com pormenores – esses feitos que todos nós artistas da cena corremos atrás para realizar. Detalhe: Realizar com extrema maestria e dedicação.

O Blog/Site está humildemente e orgulhosamente inundando de cultura, com figuras tão ilustres e histórias culturais desveladoras, passando por aqui no projeto – Entrevistas NECESSÁRIAS.
Obrigadíssimo a todos!

Revelando quem é a dona desse currículo portentoso e de extremo necessário, caminharemos agora nos trilhos alvíssaros de: Carolina Virgüez – Atriz, Tradutora e Professora.

Carolina Virgüez.

“Guanabara Canibal”.

“Vozes do Silêncio – Filme não Filme”.


Entrando na – Entrevista NECESSÁRIA – com Carolina Virgüez:


F.FACHETTI – Desfie, contando os pormenores, as minúcias, desse que deve ser aprofundamento necessário, em sua dissertação de mestrado – “Fuga para um fluxo improvisacional em Caranguejo Overdrive” – indicada para ser publicada.


Carolina Virgüez Em agosto de 2015, Marco André Nunes, diretor da Aquela Cia. ligou para mim. O convite: participar de uma leitura encenada no projeto “Dulcina à vista”, projeto de dramaturgia na ocupação do Teatro Dulcina pelo Galpão Gamboa, com curadoria de César Augusto. Aceitei imediatamente porque já tinha trabalhado com Marco André e Pedro Kosovski, com quem já tinha realizado outros trabalhos, por plena afinidade artística. A ideia era ensaiar a leitura no período de 10 dias. Aquela Cia trabalha em processo colaborativo, de maneira horizontal onde o ator é um co-autor – para o levantamento cênico-dramatúrgico realizamos composições e improvisações a partir das provocações lançadas pelo Marco e pelo Pedro. Nesse processo, logo de cara, estabelecemos um pacto de liberdade e apostamos na diversidade do grupo. No quinto dia de trabalho, quando a banda de música começou a participar dos ensaios e passei a ouvir as palavras do Pedro esculpidas no espaço, com o trabalho performático dos atores, disse para o Marco: “Isso aqui é ouro. Nunca vi nada igual, é muito potente” – nada nas improvisações ou composições era descartado.

Para a construção do Caranguejo buscávamos alimento uns nos outros, de modo que, o próprio processo exigiu um salto mortal para dentro e começamos a cavar espaços de criação. Numa improvisação, onde testávamos duas cenas simultâneas, na qual um operário (Eduardo Speroni) expunha o projeto autoritário de realização das obras no Canal do Mangue, ao mesmo tempo que uma prostituta paraguaia, “eu”, realizava um city tour com Cosme da Silva (Matheus Macena), o Marco André solicitou que eu improvisasse. Nesse momento, como relatei na minha dissertação, “na iminência de sucumbir pensei: eu não sei nada sobre esse período da história do Brasil, mas eu sei da história do Brasil que vivi, a que está impressa na memória do meu corpo”. A dissertação dedica-se, portanto, a mapear os procedimentos de composição cênico-dramatúrgica enquanto atriz-criadora do espetáculo Caranguejo Overdrive, dando especial ênfase aos caminhos explorados no desenvolvimento do fluxo improvisacional – meu e da prostituta paraguaia -, onde relato para o Cosme a história política do Brasil desde 1950 até os dias de hoje. Esse fluxo nunca foi escrito.

A partir de algumas estruturas improviso todos os dias e atualizo a história do nosso país, sem ensaio. O processo de escrita da dissertação de mestrado foi importante, na medida em que fez gerar em mim questionamentos e reflexões… Como diz a teórica cubana lleana Dieguez: “Compartilhar essas experiências contribui para expandir o horizonte de estratégias poéticas…” Fiquei muito feliz de ter tido a professora e doutora Martha Ribeiro, quem me orientou de maneira decisiva e sensível. E mais feliz ainda quando Gabriela Lírio, Larissa Elias e Tânia Rivera, componentes da banca desde a qualificação, indicaram a dissertação para publicação, projeto que está começando a ser realizado.

“Caranguejo Overdrive”.



F.FACHETTI – Trabalhou em Hollywood com Bill Condon. No filme “Veneza”, de Miguel Falabella, e sob a direção de José Nascimento – como uma das protagonistas – no filme “Casa Flutuante”.
Descortine e nos conte sobre essas três obras cinematográficas. Qual o “segredo” de cada uma que as tornam películas que possa nos surpreender?


Carolina Virgüez Um dia fui fazer um teste para um filme. Me pediram para ir “com uma roupinha de casa”. Enviaram o texto e ensaiei com o meu marido enquanto ele cozinhava. No dia seguinte, fiz o teste, mas não sabia nada sobre o filme. Um mês depois, talvez, eu estava no Maranhão fazendo INGRID, uma peça, dentro do projeto do Palco Giratório, quando ligaram para mim. Comecei a entender que o filme era um mistério. Sabia que tinha sido escolhida, mas não tinha mais detalhes. No período de um mês experimentei o figurino, tive reuniões, até que finalmente assinei um contrato de “silêncio” Tratava-se da “Saga Crepúsculo”. Nunca tinha visto um filme da Saga, razão pela qual não entendia o porquê do mistério.

“Saga Crepúsculo”


Alguns meses depois filmei em Angra dos Reis onde vi meninas fãs nadando até a ilha onde filmávamos, para ver o Robert Pattinson, e serem barradas, vi helicópteros sobrevoando a ilha, fiquei – junto com toda a equipe de filmagem, presa na ilha por conta de uma tempestade, neguei no centro de Paraty que estava fazendo o filme porque não podíamos falar, fui recebida com muita delicadeza e gentileza por Bill Condon, o diretor, e pelo diretor de fotografia Guillermo Navarro, e curti até o último segundo a experiência do meu primeiro filme internacional no papel de uma mulher indígena Tikuna, com alguns poderes… Viajei para Baton Rouge nos Estados Unidos e vi a máquina americana de fazer filmes. Uma organização impecável.

Ainda hoje esse trabalho ressoa dentro de mim, como uma experiência maravilhosa e desafiante: chegar no estúdio, receber a marca do diretor e, com o estúdio em silêncio, apresentar para o diretor a minha proposta do personagem. Sem falar inglês. Um ano depois me convidaram para ir à estreia em Los Angeles. Passar pelo tapete “negro” (era negro e não vermelho) e comemorar numa festa, sem entender exatamente como eu estava ali… Algo totalmente imprevisível na minha vida…

Em 2018 recebi o convite de Miguel Falabella para fazer a personagem Dora. Tudo estava planejado para iniciarmos as filmagens depois do carnaval. Mas de repente, tudo mudou. Carmen Maura não podia vir ao Brasil para filmar, e o filme “se mudou” para o Uruguai. Com isso, precisei me ausentar de parte da temporada do Caranguejo em São Paulo. Nervosa, mas feliz, fui. Quando chegamos no hotel Miguel Falabella recebeu parte dos atores com uma alegria transbordante. É impressionante a energia, o talento e a capacidade de liderança do Miguel.
Imediatamente me apresentou Carmen Maura, que já estava no Uruguai. Tremi por dentro. Mas respirei fundo e fui para o quarto estudar. Durante as filmagens praticamente não sai do quarto. Ficava estudando. Dora, meu personagem, era a cozinheira do prostíbulo comandado pela personagem Gringa, da Carmen Maura.
Supunha-se que eu precisava saber cozinhar… Numa das cenas, com a Carmen, num jardim, me deram uma galinha para depenar. Morri por dentro. Nunca fiz isso. Ao ouvir “Ação!”, comecei a depenar a galinha – ainda quente. Meus gestos eram muito largos, quase teatrais… nem de longe parecia estar realizando essa ação. Houve um corte na filmagem para resolver outra questão, então, a Carmen me disse baixinho (em espanhol): “Quando eu era pequena, na casa dos meus pais costumava-se a depenar galinhas. Eu sei. Quer que eu te mostre?” Fiquei pasma. Quanta generosidade, quanta gentileza. Uma mulher gentilíssima e atriz deslumbrante e de uma simplicidade! E ainda me dizia: “Vai fazendo que a camêra vai atrás de você”.
Foi um prazer e alegria ter tido a oportunidade de contracenar com ela, com todos os atores, num projeto tão bom! O filme está para estrear. Não aconteceu ainda por conta da pandemia. Estamos ansiosos!

Durante as filmagens de Veneza conheci Fernando Muniz, produtor. Assistimos ao filme numa sessão antes de irmos para o Festival de Gramado. Logo depois, uma produção portuguesa entrou em contato com ele e poucos meses depois estava em Mértola, ao sul de Portugal, para filmar “Casa Flutuante”, dirigido por José Nascimento – Como uma das protagonistas – a personagem? Araci, uma mulher indigena, Tikuna (como no filme Amanhecer, da Saga Crepúsculo). Desde o momento em que pisei em Mértola, me senti em casa. Uma equipe calorosa, amorosa e muito profissional. Houve tempo para conversar, pensar junto, descobrir coisas. Tudo num ambiente de trabalho tranquilo, acolhedor. Passei um mês filmando numa alegria incomensurável. Cada detalhe era estudado em conjunto: figurino, objetos, deslocamentos, planos… A sensação era de estar criando em família.

Gostaria de voltar lá. Tempo, lugar, equipe e espaço propício para a criação.



F.FACHETTI – Torne conhecido para nós o trabalho da Cia. BufoMecânica, que você se fez presente, em Stratford e Londres, enredada na Royal Shakespeare Company, com o espetáculo: “THO ROSES FOR RICHARD III”.


Carolina Virgüez Trabalhei com Fábio, pela primeira vez, junto à Cia Bufomecânica, fundada por ele e pelo diretor Cláudio Baltar. Fizemos a peça Mistério Bufo, de Maiakóvski. A seguir, fomos convidados para participar, em 2012, no World Shakespeare Festival. Antes de irmos para inglaterra fizemos um estudo dos Dramas históricos do Shakespeare e montamos “Penso ver o que escuto” na Casa da Moeda, aqui no Rio de Janeiro. Com esta peça fui indicada ao prêmio Questão de Crítica. Em maio de 2012, em coprodução com a Royal Shakespeare Company, fomos para Stratford onde ensaiamos por uma temporada e estreamos “Two Roses for Richard III”. Realmente, uma experiência extraordinária. Quando pisei no teatro da RSC, desabei. Chorei muito, de alegria, por estar naquele lugar!!! A emoção tomou conta de mim. Eu estava ali, ali!!! Tínhamos uma rotina – da qual tenho muita saudade – que gostaria de ter sempre! Íamos cedo para ensaiar, aquecer. Parávamos para almoçar na sede da RSC. No restaurante tinha monitores com todas as peças de Shakespeare que estavam sendo ensaiadas naquele momento. Tínhamos médicos, acupunturistas, maquiadores, cenotécnicos… enfim a perfeição! À tarde ensaiávamos também e tínhamos aulas com integrantes da companhia. Aulas inesquecíveis como as da Cecily Berry. Em cada lugar dos bastidores havia monitores com tudo o que estava acontecendo no palco, de maneira, que podíamos entrar em cena sentindo o ritmo da peça. E a emoção de fazer a Rainha Margareth e ser aplaudida em cena aberta? Chorava de emoção todo dia.

“Cia BufoMecânica”, trabalhou e participou em Stratford e Londres, na Royal Shakespeare Company, no espetáculo “Two Roses for Richard III”.



F.FACHETTI – Disserte um pouco a respeito, tendo participado, desses três espetáculos:

“Dois idiotas cada qual no seu barril”; “Cinderela Chinesa”; Caranguejo Overdrive – recebeu respectivamente os prêmios: Molière, Mambembe, Shell, Questão de Crítica, e APTR. Qual o sentimento de ser laureada em deferências reconhecidas em suas extensas abrangências?


Carolina Virgüez “Dois idiotas cada qual no seu barril” tem uma importância vital para mim. Dudu Sandroni, ao me convidar para participar da peça, levou o conto da Ruth Rocha, abriu e vi as imagens. Disse para ele: Eu quero. Trabalhamos com a linguagem do clown. Nunca tinha trabalhado com clown.

Ali conheci a um dos meus grandes mestres – Dácio Lima – com quem trabalhei, mais adiante, na peça “O Baile”. Foi difícil chegar à linguagem do clown… entrei em parafuso… A partir do conto fizemos improvisações que resultaram na peça. Não existe o roteiro escrito porque nunca o escrevemos. Tanto é que André Mattos fez a peça anos depois e foi preciso transcrever do vídeo. Quem trabalhou na dramaturgia foi a Fátima Valença. A peça foi feita com o ator Luis Carlos Persegani, hoje padre da igreja católica. Um diretor e ator excepcional. E Dudu um diretor tranquilo, talentoso, e com uma escuta muito atenta. Tudo fluiu muito bem. Fiquei muito feliz porque aos 28 anos ganhei o Prêmio Molière de teatro numa peça que adorava.

“Dois Idiotas cada qual no seu Barril”.


Cinderela Chinesa, uma peça dirigida por Luiz Duarte, em 1988. Uma peça feita por atores orientais. Era difícil encontrar um elenco oriental no Rio, então quase todos os atores foram “importados” de São Paulo, entre eles, Fabio Namatame. Do Rio de Janeiro, Miwá Yanagizawa. No elenco também Bel Kutner, Venicio Fonseca, Claudia Mele, Antonio Gonzales… e eu meio colombiana, meio brasileira, meio indígena e de olhos puxados… Ganhei o prêmio Mambembe de atriz coadjuvante. Cenários e figurinos da Rosa Magalhães.

“Cinderela Chinesa”. Figurino: Rosa Magalhães.
Foto: Oswaldo de Oliveira.


Caranguejo Overdrive, é uma peça que só me dá alegria, desde que começou. O elenco é sensacional. Estamos juntos desde 2015 viajando e sempre foi muito bom. Todos nós construímos esse espetáculo. Tem um pouco de cada um. Como estamos há seis anos juntos às vezes acontece de surgir um trabalho que impede qualquer um de nós – momentaneamente – de fazer a peça. Temos um pacto: a pessoa vai, mas volta! Nosso ser está impresso na peça. Trabalhar com Marco André e Pedro é trabalhar protegido e com liberdade. Na Cia a diversidade é bem-vinda! As provocações lançadas pelo diretor e dramaturgo possibilitam voos grandes e liberdade de criação. A peça foi super premiada: espetáculo, direção, autor e atriz. Ganhei os prêmios Shell, APTR e Questão de Crítica. Nos apresentamos no FITEI no Porto, Portugal e no Festival de Manizales, na Colômbia.

Prêmio Shell.

“Caranguejo Overdrive”.



F.FACHETTI – No livro: Teatro Contemporâneo Brasileño, estão suas traduções de 14 obras de dramaturgos brasileiros – recebendo o prêmio Questão de Crítica pelas as mesmas. Pode nos falar sobre esse livro e seu trabalho em traduzir?


Carolina Virgüez O livro é um projeto realizado em 2014 pelo Ministério de Relações Exteriores e a Embaixada do Brasil em Bogotá. Em oito meses tive a tarefa de traduzir 14 autores brasileiros contemporâneos.Foram traduzidas peças de Newton Moreno, Jô Bilac, Grace Passô, Paulo Santoro, Silvia Gomez, Sérgio Roveri, Walter Daguerre, Luiz Felipe Botelho, Julia Spadaccini, Márcia Zanelatto, Juliano Marciano, Daniela Pereira de Carvalho e Pedro Brício. O livro foi lançado no Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotá, festival no qual Brasil era o convidado de honra. Foram impressos mais de 3000 exemplares distribuídos entre grupos de teatro da América hispanofalante. Projeto importantíssimo para divulgar a nossa dramaturgia e estreitar laços com América latina. Tive a alegria de receber o prêmio Questão de Crítica na Categoria Especial. Com o mesmo livro fui indicada no Prêmio APTR. O tempo para a tradução foi muito curto. Para poder realizá-lo tive que chamar colaboradores de diferentes países hispanofalantes. Sendo colombiana e ao mesmo tempo brasileira é uma alegria trabalhar fazendo essas aproximações, que são vitais para o intercambio nas Artes Cênicas.

Por: Carolina Virgüez.

Por: Carolina Virgüez.



F.FACHETTI – Gostaria que falasse sobre 4 espetáculos, que tiveram sua presença, pela contundência de suas narrativas e por serem tão díspares em momentos e épocas delicadas. São eles: “A Maldição do Vale Negro”, texto de Caio Fernando Abreu, autor de extremo necessário para nossa cultura – que marcou época, recebendo o Molière em 1989 – estou para estrear um monólogo com um dos textos de Caio, onde faço seu encontro com a música ao vivo e a dança flamenca.

  • “Corpos Opacos”, que eu assisti e fiz uma pequena crítica.
  • “O Baile”, que nos remete ao filme que foi uma obra-prima.
  • “Vozes do Silêncio – Filme não Filme”.

Carolina VirgüezLuiz Arthur Nunes é um exímio conhecedor da obra de Caio. Ambos trabalharam em parceria na escrita de A Maldição do Vale Negro, cuja primeira montagem assisti em 1988. Em 2005 Luiz Arthur remontou e tive a alegria de fazer a personagem da cigana Jezebel. “A Maldição do Vale Negro” inicialmente foi um esquete. Dez anos depois se tornou uma peça. Trabalhamos nas bases do melodrama. A peça é uma paródia do gênero. O corpo foi uma ferramenta muito importante na construção do trabalho. Com Luiz Arthur fiz mais dois espetáculos: Arlequim, servidor de dois amos e Engraçadinha.

“A Maldição do Vale Negro”. Carolina Virgüez e Leonardo Netto.

“A Maldição do Vale Negro”. Foto: Paulo Vainer.



F.FACHETTI – “Corpos Opacos”, que eu assisti e fiz uma pequena crítica.


Carolina Virgüez Por volta de 2013 numa visita a Colômbia, onde mora a minha família, meu irmão me levou para uma exposição no Convento de Santa Clara. Ao entrar ali tive um impacto. As obras que compunham a exposição eram retratos de freiras mortas coroadas com flores (obras realizadas entre 1700 e 1900). As Clarissas durante toda sua reclusão, (algumas entravam com 14 anos de idade)bordavam o manto que usariam no dia do seu casamento místico com Deus, união esta que aconteceria no dia da morte. Nesse dia, era chamado um pintor que retratava as mulheres através de uma grade. A mulher “pura e casta” só tinha visibilidade após a morte. Por outro lado, muitas mulheres iam para o convento porque ali era o único lugar onde podiam estudar. Do contrário, a única expectativa era casar. A exposição mexeu tanto comigo que comecei a pensar num futuro espetáculo. Aos poucos, meu irmão começou a enviar bibliografia para mim, e em 2016, depois de trabalhar com Sara Antunes na peça Guerrilheiras, decidimos fazer um projeto juntas. Compartilhei com ela a idéia, e dali começamos a construir o nosso trabalho. A direção foi da extraordinária Yara de Novaes. Em cena, também, a musicista e diretora Natália Mallo. Com um cenário e figurinos belíssimos de Márcio Medina.

“Corpos Opacos”.



F.FACHETTI – “O Baile”, que nos remete ao filme que foi uma obra-prima.


Carolina Virgüez Depois de “Dois idiotas sentados cada qual no seu barril”, comecei a estudar com Dácio Lima, diretor da Cia do Gesto.

A Cia trabalhava com máscaras (meia máscara, máscara psicológica, máscara neutra), linguagem do clown. Em 1992 decidiram montar “O Baile”, a partir do filme de Ettore Scola.

Fizemos uma adaptação contando, dentro de um salão de baile, a história do Brasil a partir de 1950. Ensaiamos durante nove meses. Na parte da manhã estudávamos dança de salão com o bailarino Jaime Arocha, e à noite construímos o nosso espetáculo a partir de improvisações. Sem palavras. Ficamos cinco anos em cartaz. O elenco era incrível, somos amigos até hoje. Foi um trabalho que definiu, de alguma maneira, a minha formação. O corpo sempre foi, para mim, onde tudo se inicia, somos corpo. Não tem um dia em que entre em cena e não pense nos ensinamentos de Dácio Lima.

“O Baile”, de Dácio Lima.

“O Baile”.



F.FACHETTI – “Vozes do Silêncio – Filme não Filme”, feito agora no período pandêmico, uma montagem clássica imponente, em tela preto e branco, com um olhar belíssimo, esmiuçado, no universo do teatro do absurdo de Samuel Beckett – que também fiz um sucinta crítica teatral.


Carolina Virgüez Sempre quis fazer um Beckett. Achei que um dia faria “Dias Felizes” (por que não?).

Uma noite em São Paulo, após o espetáculo Caranguejo Overdrive, a Maria Alice Vergueiro, que estava na platéia com Luciano Chirolli, me chamou e disse; “Você tem que fazer NOT I, do Beckett”. Fiquei super emocionada e pensei que um dia poderia, de fato, fazer essa peça. Em 2019 Fábio Ferreira que estava terminando o Doutorado na Dinamarca (dedicado à obra do Beckett e pontualmente aos três textos que compõem Vozes do Silêncio” – tradução, análise) me ligou para propor o projeto.

Adorei o convite. A partir daí, Fábio começou a enviar as traduções desses textos e eu ia lendo para ele. Já estando no Rio, Fábio me ligou para darmos início ao projeto. No total foram sete ou oito meses de ensaios (não seguidos). Foi um trabalho muito lento, não queríamos apressar o projeto.

“Vozes do silêncio” é um desafio gigantesco. Sei da grandeza e genialidade do autor, e o que estamos fazendo é criando uma relação mais estreita… poder tocar um Beckett. Digo tocar porque é quase uma música, uma música que toca o inominável.

A peça foi concebida para ser feita presencialmente, mas por conta da pandemia, começamos a pensar em fazê-la online, ao vivo. Com o quarto pico do Corona Vírus a transformamos num filme não filme que estamos compartilhando, nesse momento, graças ao Sesc Rio. As três peças são extremamente difíceis. Tempo lento, distendido, não linear, fragmentado… “NÃO EU”, sem dúvida, é o mais complexo. Com os olhos vendados, falando quase 17 minutos falando ininterruptamente, um jorro de palavras com quatro pausas marcadas pelo autor.

Como são lampejos da memória, resíduos de pensamento, fragmentos não lineares, com repetições e variáveis, torna-se impossível criar uma seqüência para o texto… A sensação é que estou caindo dentro de uma cavidade escura, sem freio, sem amarras no fundo de um abismo.
“Cadência” trabalha também com a imobilidade e a repetição, onde trabalhamos de forma minimalista. Internamente estou com a intensidade a 100% deixando vazar a conta-gotas.
“Passos”, é um texto que tem uma estrutura corpórea desenhada. Cada passo é marcado pelo autor, cada virada, pausa… Em determinado momento temos a voz do narrador, do personagem presente e do ausente… Enfim… é necessária muita técnica e entrega. Continuo em processo…


Abaixo transcrevo uma sucinta crítica que o Blog/Site resenhou sobre o trabalho:


Sucinto comentário/Crítica de “Vozes do Silêncio – Filme não Filme.


Assisti e fiquei perplexo com tanta beleza, acuidade, num potencial cênico de extremo necessário para nossa realidade atual.

“Vozes do Silêncio – Filme não Filme”, tem direção, tradução e roteiro de Fábio Ferreira, totalmente inspirado na qualidade, comungando com a direção de movimento linda e milimétrica por Paulo Mantuano .

Reúni três obras curtas do dramaturgo irlandês Samuel Beckett – dando vozes às mulheres silenciadas pela sociedade.

Fábio Ferreira capta e põe em ação o clima minimalista contido nas obras de Beckett, inundando a cena do “Filme não Filme”, do caráter de teatro do absurdo que é dado ao dramaturgo.

Um trabalho polissêmico, onde as linguagens conversam em harmonia, de cunho artesanal, num caminho metafísico – o indivíduo “tentando” ser entendido e versado, num estudo da existência do ser.

Vale muito destacar o visagismo meticuloso e pesquisado de Cleber de Oliveira , numa iluminação de forte sensibilidade nas mãos de Renato Machado.

Felipe Storino em sua trilha sonora, segue brilhante no caminho das fortes imagens , pontuando o visual da corporeidade com seu trabalho marcante e alentando a obra e nossos ouvidos. Um minucioso desenvolver em sua trilha.

A atriz de trabalho estonteante, expondo o tamanho e o porquê de seu talento e vocação – Carolina Virgüez – numa personagem de construção imagética, em movimentação sutil, alusiva, transcendente, em diálogo com todos os signos desse belíssimo, escultórico trabalho em tela preto e branco, trazendo um desbravar clássico de comovente beleza para nós, espectadores presenteados por um construir cênico de grande reflexão.


Bravíssimo a todos.


De 02 a 25 de abril, às 19:00 HS. Sexta a domingo


Por: Francis Fachetti: Pós-Graduado em Linguagem Teatral; Coreógrafo; Bailarino; Diretor de Movimento; Dançarino de Flamenco. Crítico de Teatro e Dança do Blog/Site :
ESPETACULONECESSARIO.COM.BR


Trajetória Artística:

Carolina Virgüez é atriz, tradutora e professora.

É Bacharel em Artes Cênicas pela Uni-Rio e Mestre em Estudos Contemporâneos das Artes.

Com vasta experiência em teatro recebeu os prêmios Molière (Dois idiotas cada qual no seu barril, direção Dudu Sandroni), Mambembe (Cinderela Chinesa), Shell, Questão de Crítica e APTR (Caranguejo Overdrive).

Ainda como atriz foi indicada aos prêmios Mambembe (Petruska), Shell (Médico à força), Questão de Crítica (Penso ver o que escuto), entre outros.

Como tradutora recebeu o prêmio Questão de Crítica – Categoria especial pela tradução ao espanhol de 14 peças de dramaturgos brasileiros no livro Teatro Contemporâneo Brasileño, projeto dos Ministérios da Cultura e das Relações Exteriores, junto à Embaixada de Brasil em Bogotá, publicado pela Intermedio Editora. Com a mesma tradução foi indicada ao prêmio APTR.

Junto à Cia BufoMecânica trabalhou e participou em Stratford e Londres, na Royal Shakespeare Company, do espetáculo “Two Roses for Richard”.

Em cinema trabalhou em Hollywood com Bill Condon no filme “Breaking Dawn – Saga Crepúsculo”.

Entre seus mais recentes filmes estão “Fernando”, “Veneza”, de Miguel Falabella e “Casa Flutuante”, direção de José Nascimento – como uma das protagonistas – produção portuguesa com estreia prevista para 2021.

Sua dissertação de mestrado: “Fuga para um fluxo improvisacional em Caranguejo Overdrive”, foi indicada para publicação.


TEATRO:

  • A atriz trabalhou com Bia Lessa (Ensaio Nº 2 e Exercício N°3).

“Arariboy”, direção do israelense – Sjaron Minailo.

“Arariboy”, direção do israelense Sjaron Minailo.


  • Luiz Arthur Nunes, (Engraçadinha, Arlequim Servidor de dois amos, A Maldição do Vale
    Negro).
  • Marco André Nunes (Ingrid – sobre a ex-candidata à presidência da Colômbia sequestrada pelas
    FARC.

“Ingrid”.

“Malentendido”, Camus.



  • Caranguejo Overdrive e Guanabara Canibal.

“Guanabara Canibal”.

“Guanabara Canibal”.



  • Gracindo Júnior (A pulga atrás da orelha).

“A Pulga atrás da Orelha”.



  • Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha (ABRIL).

“Abril”.



  • Antônio Karnewale (Susuné, contos de mulheres negras).

“Susuné”.



  • Georgette Fadel, (Guerrilheiras ou para a terra não há desaparecidos).

“Guerrilheiras ou para a terra não há desaparecidos”.



  • Yara Novaes (Corpos Opacos).
  • Adriano Guimarães e Ismael Monticelli (Visita guiada a uma paisagem desaparecida).

“Visita Guiada a uma paisagem Desaparecida”.



  • Pierre Astriè (O equívoco e Médico à força).
  • Dácio Lima (O Baile).
  • Sjaron Minailo (diretor israelense com a peça: “Aquilo que mais temia desabou sobre a minha
    cabeça”).

“Aquilo que mais Temia Desababou sobre a minha Cabeça”.



  • Cláudio Baltar e Fábio Ferreira (Mistério Bufo, Penso ver o que escuto.
  • Two Roses for Richard III), entre outros.
  • Seu mais recente trabalho é “Vozes do Silêncio”, com direção de Fábio Ferreira.

“Vozes do Silêncio – Filme não Filme.


Amigos! Na próxima quarta, 19/5, a artista da vez no palco do Blog/Site com o projeto – Entrevistas NECESSÁRIAS – é bailarina e bailaora. Como assim?

No “nosso” linguajar corpóreo, bailarina é advinda do ballet clássico e bailaora da arte flamenca – dança flamenca.

Especializou-se como coreógrafa no clássico, contemporâneo, jazz/musical e no flamenco – é a convergência que resulta numa seivosa, talentosa e iluminada exposição cênica, onde o corpo fala com propriedade.

Tudo isso, e muito mais saberemos com ela presente aqui.
Bailarina, Coreógrafa e Bailaora flamenca:

Ângela Viégas.

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