INÉDITA! Alexandre Varella: Ator; Diretor e Produtor.

 

INÉDITA!

 

O Blog/Site iniciou a temporada de Retrospectivas e INÉDITAS das inúmeras homenagens feitas aos artistas das artes cênicas em geral – teatro, dança, cinema, técnicos: Operários das Artes.

Projeto: “Entrevistas NECESSÁRIAS”, inserido nesse Blog/Site de Críticas Teatrais e de Dança, no começo da pandemia.

 

O operário das Artes da vez trilha seus caminhos pelo universo das cênicas, sendo de extremo necessário – através de sua competência – para a cultura.

Ator; Diretor; Produtor, formado pela CAL – Casa de Artes de Laranjeiras.

Iniciou sua carreira se embrenhando em importantes companhias como: Armazém Cia. de Teatro e a Cia. Teatro Autônomo, dirigida por Jefferson Miranda – ALEXANDRE VARELLA.

 

 

Em cena no espetáculo: “A Última Ata” – seu mais recente e necessário trabalho -, onde destacou-se no seu ofício atoral.

 

 

 

 

 

 

Entrando na inédita Entrevista NECESSÁRIA com:

ALEXANDRE VARELLA

 

 

 

 

Francis Fachetti – “Sempre acreditei na importância do estudo como formador” – assim você me disse e gostaria que colocasse suas observações nessa afirmação.

 

Alexandre Varella – Soa, a princípio, como uma obviedade, mas, não no nosso ofício de atuação. Claro que é possível também construir sua formação apenas por meio da prática contínua; do fazer incessante. É um ofício que por vezes revela talentos natos e pessoas com uma compreensão físico-espiritual intuitiva do que é a atuação.

Uma intuição que precede a formação. Mas, mesmo nesses casos, o estudo burila o talento.

Acredito que o melhor caminho para ter algum controle eficaz sobre o direcionamento de sua vocação, o aperfeiçoamento de suas qualidades naturais e o preenchimento das lacunas é procurar uma educação formal. Sistematizada. Seja ela qual for. Isso permite ao ator acumular conhecimentos e técnicas, ir colocando tudo numa caixa que depois lá na frente (e constantemente, a cada novo trabalho) você revira para escolher o que te serve melhor; o que se encaixa mais com sua visão do que seja o fazer artístico; o que dialoga melhor com as necessidades específicas de determinado trabalho.

No meu caso, me formei pela CAL em 2000 e depois concluí o Bacharelado na Faculdade CAL, em 2015. Agora, é claro que, para além do sistematizado, todo tipo de estudo nos serve. Desde a aguda observação do humano em geral, até o mais específico curso sobre algo que nos toca para além do ofício. Tudo isso nos molda o espírito e a ideologia e fatalmente irá servir para algum trabalho. Também é importante concluir as coisas – acho que Domingos de Oliveira é quem dizia isso.

Cursei 6 períodos de Direito na UERJ, 5 de Cinema na UFF, 1 ano de Teoria do Teatro na UNIRIO e, embora tenham sido experiências formadoras (ainda que fragmentadas), lamento não ter concluído.

Desconfio que mesmo o que pude aprender nas passagens inconclusivas desses cursos teria sido melhor potencializado se eu tivesse fechado os ciclos. É uma desconfiança. Nunca saberei ao certo. Mas hoje acho que é importante começar e é importante concluir.

 

Varella em momento de descontração.

 

 

Francis Fachetti – Como “Diretor Ocasional”, já encenou e integrou como ator espetáculos os quais estava dirigindo; que fascínio é esse, que você diz ter, por atores que dirigem? Essa sincrônica ocasião exerce que poder, aprendizado… para seu ofício?

 

 

Alexandre Varella – Tenho, na verdade, um fascínio mais específico: não apenas por atores que dirigem, mas uma profunda curiosidade por atores que se dirigem estando em cena nas próprias encenações.

Acho que esse fascínio nasceu do contato que tive muito cedo na minha carreira com processos colaborativos. Ver em ação durante a construção dos espetáculos atores e atrizes quase que renascentistas, participando de maneira definitiva da execução de múltiplas funções.

Havia momentos, quando percebia, que algumas contribuições iam além da dialética corriqueira e fundamental entre ator e diretor ou ator e autor.

Não era apenas o saudável e necessário encontro dos ofícios se debruçando em fricção sobre alguma mesma questão estética ou ética do espetáculo: era o ator se deslocando e focando seu olhar através do filtro de outro ofício e construindo soluções a partir da gramática específica desse outro ofício.

Há uma diferença entre o ator se colocar a serviço da encenação proposta pelo diretor e o ator conceber a encenação junto ao diretor; no primeiro caso, o ator, em conjunto com a direção (e com as outras funções artísticas), busca ao longo do processo construções que materializem a concepção; no segundo, antes de se atirar na construção (ou paralelamente à construção), o ator produz junto ao diretor pensamentos e conceitos que vão guiar a criação do universo do espetáculo.

Essa capacidade de alguns atores e atrizes fazerem isso foi por um tempo quase banalizada – tratada como se fizesse parte natural do ofício do ator e não reconhecida como uma excepcionalidade.

Tudo que o ator fazia além das suas funções de atuação era considerado elemento constitutivo da figura do “ator contemporâneo”, e não o exercício de outras funções pelo ator de múltiplos talentos.

A Academia já há algum tempo vem sedimentando e ampliando o pensamento sobre esse fenômeno, e hoje a literatura já aborda esse fato com bastante clareza, coragem e documentação.

Parcerias entre atores/atrizes e diretores/diretoras que, para além do diálogo tradicional, comungam para produzirem juntos desde conceitos e estilos até marcações e escolhas estéticas que definirão o espetáculo. É claro que a natureza do teatro impõe um nível de colaboração bastante intenso entre os diversos artistas – o que torna muito elásticos os limites de cada função e como elas se entrelaçam. Mas, falo de algo que talvez seja mais facilmente percebido empiricamente. E não é um modo de construção melhor ou pior do que nenhum outro: é apenas um que existe e que também merece ter seus procedimentos estudados com honestidade. É cada vez mais comum peças com direção assinada em conjunto por um diretor e um ator/atriz que também integra o elenco do espetáculo. Acho fascinante, de muita coragem, quando atores e atrizes que têm essa capacidade se colocam em risco na dupla jornada, assumindo a encenação e direção de espetáculos em que também estão atuando.

Pisando a corda-bamba que unifica os famosos “olhar de fora” e “olhar de dentro”. Dificílimo! E fazem isso não por vaidade ou necessidade de controle, mas porque possuem visões de como expressar o espetáculo como um todo, não apenas com as construções de suas personagens. Tenho amigos que já experimentaram esse fazer quase esquizofrênico produzindo espetáculos incríveis, como Pedro Neschling (na peça “Como Nossos Pais”) e Cristina Fagundes (na peça “A Vida Ao Lado”, que fiz como ator, então, acompanhei bem de perto o premiado processo da Cris).  Nesses exemplos, os dois além de assinarem a direção e estarem em cena, estavam também encenando seus próprios textos.

 

Alexandre Varella em: “A Vida Ao Lado”.

 Alexandre Varella em “A Vida Ao Lado”.

 

– Bruce Gomlevsky é outro ator que admiro e já se dirigiu muito nas próprias encenações. Meu Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade, inclusive, foi sobre isso. Tinha um título pomposo, mas bastante exato: “Bruce Gomlevsky – Um EncenaTor: Dilemas e Potências do Processo de Encenação Conduzido Por Um Ator Que Está Em Cena”.

Eduardo Wotzik é outro artista que admiro muito e tem construído seus últimos espetáculos a partir desse procedimento.

Eu dirijo menos do que gostaria. Mas isso é outro assunto. Creio que das peças que dirigi, em três eu estava também em cena. E acumulei as funções porque tinha vontades de expressão que passavam tanto pela construção da personagem como pela concepção da encenação. Agora, é verdade que nessas experiências o “olhar de fora” seguiu importantíssimo.  Em “Cicatrizes”, texto do escocês Anthony Neilson, tive a assistência do Lu Gastão.

Espetáculo: “Cicatrizes”.

 

 

 

 

 

– Em “Memórias Inventadas – uma singela polaroide musical”, (onde eu também assinava a dramaturgia), dirigi com a assistência do Gustavo Granjeiro que foi fundamental.

 

 

Espetáculo “Memórias Inventadas” – uma singela polaroide musical do artista quando jovem.

 

 

– Em “Folhas de Vidro”, dividi a direção com o Michel Blois.

Em cena em “Folhas De Vidro”.

 

 

– Com o Michel, embora tenhamos partido de uma conceituação conjunta e eu tenha estado presente em todos os aspectos da encenação, o fato da personagem que eu fazia ser muito grande – ficando em cena a totalidade das quase duas horas de espetáculo -, acabou fazendo com que o processo da direção gradativamente fosse ficando cada vez mais sob a condução dele, que é um artista de um talento arrebatador a quem eu e Thiago Magalhães (meu sócio na empreitada da peça), somos muito gratos pela elegância e sabedoria nesse processo, digamos, híbrido da direção.

Para mim, essas experiências foram importantes porque concretizaram, de forma corajosa, desejos de expressão que eu tinha em múltiplos aspectos da cena. Mas, de novo, é só uma maneira de fazer. Há infinitas outras.  Toda vez que eu encarei os desafios que o acúmulo de funções traz ao processo, todo o volume insano de trabalho e dúvidas a serem respondidas, acabei saindo deles valorizando ainda mais o trabalho de nossos diretores.

Respeitando ainda mais o ofício do encenador. Aplaudindo ainda mais entusiasmado nossos mestres encenadores.

 

Em cena com Thiago Magalhães – seu sócio nessa empreitada.

 

 

Em cena em “Folhas De Vidro”.

 

 

“Folhas De Vidro”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Você acredita na autonomia artística que o ator alcança quando passa a se produzir – coloque os “prós” e os “contras” disso para nós.

 

 

Alexandre Varella – De certa forma, essa pergunta tangencia a anterior. Eu me produzo com frequência.

Temos uma vasta tradição no teatro brasileiro de atores e atrizes que se produzem. Isso gera autonomia de discurso; permite ao ator escolher que debates quer fazer com a sociedade por meio da linguagem teatral e quais personagens irá construir.

Ao se produzir – é como se o ator alargasse sua função no debate ético e estético do espetáculo – sem ter que assinar a encenação; a autonomia da direção contratada é mantida. Além disso, é uma forma do ator se empregar; não ficar dependendo de o telefone tocar.

Agora, o que vejo que está ocorrendo em muitas escolas de formação é, de certa forma, uma redefinição do ofício do ator. Como se o ofício só se completasse integralmente quando o ator também passa a ser o produtor de si mesmo. Isso não é verdade. Não gosto da ideia de que o ator contemporâneo é um produtor de si mesmo por definição. Acho que o ator contemporâneo muitas vezes é obrigado a se produzir porque o mercado é estreito e incapaz de absorver todo mundo.

Produzir é um ofício, atuar é outro. O ator que se produz exerce dois ofícios. E um ator que não se produz, é tão valioso e importante quanto. Às vezes, parece que ser só ator passou a ser pouco. Imagina! É um ofício dificílimo! Quantos anos (ou décadas) leva para se formar um ator?… O oriente tem mais clareza disso do que nós.

Um ator que se produz não é mais importante que um ator que não se produz; é apenas uma maneira de navegar pelo ofício. Há várias outras.

 

Produção feita em parceria com o ator Thiago Magalhães. Os dois em cena.

“Folhas De Vidro”.

 

 

 

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Na teledramaturgia experenciou formatos de séries e novelas. Comente sobre seu trabalho atoral em “A Vida Alheia” e “Sexo e as Negas” – sobre essa criação por Miguel Falabella.

Cite uma novela que te proporcionou prazer e te exigiu uma criação de um personagem com maior pesquisa nessa linguagem e o porquê?

 

Alexandre Varella – Fiz muito menos cinema e televisão do que teatro. Muito menos. Adoraria fazer mais. Tive uma fase de muitas participações pequenas em novelas e séries. Hoje faço menos.

Era um exercício de conseguir ser eficaz e verdadeiro compondo personagens episódicos e funcionais para a trama (e, por isso, personagens com poucas dimensões), mas, que muitas vezes estavam passando por situações dramatúrgicas complexas. Não é simples. Também não é fácil chegar para gravar uma participação contracenando com colegas que estão já imersos no ritmo das gravações – com clareza do universo dramatúrgico e profissional em que estão atuando e com seus personagens se desdobrando ao longo da trama.

Esse fazer contínuo mantém o trabalho do ator aquecido. Você chega em um ritmo e temperatura diferentes do elenco principal e tem de se adequar rapidamente.

“A Vida Alheia” e “Sexo e as Negas” foram os dois produtos onde pude experimentar melhor a dinâmica do fazer televisão. Pelas oportunidades, sou muito grato à Cininha de Paula e ao Miguel Falabella, responsáveis pela criação de ambos os programas.

Foram momentos de encontros com grandes atores e atrizes, como Marília Pêra e Cláudia Jimenez, que protagonizavam “A Vida Alheia”.

 

Com Marília Pêra no set de “A Vida Alheia”.

 

 

 

“Sexo e as Negas” foi onde mais tive a chance de desenvolver uma personagem e vivenciar o cotidiano das gravações. Fazia o Armando, um ator que se envolvia com a personagem de Karin Hils, uma das protagonistas.

Armando teve um arco dramatúrgico que me permitiu pensar a personagem em termos de movimentos e conflitos ao longo da trama, algo que não tinha experimentado em TV.

Torço para que tenha novas oportunidades. Enquanto isso, sigo me produzindo no teatro.

 Personagem “Armando” de “Sexo e as Negas”.

 

 

 

Francis Fachetti – No cinema acaba de efetivar o curta “O Cruzamento”. Nos conte sobre esse curta e a direção nas mãos de Marcos Arzua e Cavi Borges, e fale da sua parceria de alvíssaras com a excelente Patricia Niedermeier.

 

Alexandre Varella – “O Cruzamento” é um curta idealizado e escrito pelo Marcos Arzua, que também produziu e codirigiu o filme com o Cavi Borges. Foi uma experiência incrível a preparação e as gravações desse projeto.

É uma história que se dá a partir da relação de uma terapeuta, vivida por Patrícia, com um advogado, feito por mim. Somos apenas os dois no filme. Cada uma das personagens está passando por perdas fundamentais em suas vidas. O encontro dos dois é uma colisão de duas visões de mundo. É quase um thriller. Não tem como desenvolver muito a trama sem dar spoilers. São personagens riquíssimos. É uma produção muito bem cuidada, com muitas pessoas talentosas envolvidas nas diversas áreas de criação. Estou louco para ver o resultado.

Patrícia Niedermeier é uma das minhas grandes parceiras artísticas de vida. Tenho uma profunda admiração pelo talento dela e por sua força de realização. É uma artista múltipla.

Nos conhecemos em 2002 em uma peça da Cia. Teatro Autônomo chamada “Um Bando Chamado Desejo”, dirigida pelo Jefferson Miranda. De lá para cá, de tempos em tempos – nos encontramos nas realizações de diferentes trabalhos.

“Um Bando Chamado Desejo” – com Patrícia Niedemeier.

Direção: Jefferson Miranda.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No Teatro, o último que realizamos juntos foi “O Censor”, de Anthony Neilson. Era uma produção e direção conjuntas minha, da Patrícia e do Cavi; aí, Tinha esquecido – é outra peça que dirigi estando em cena, e dessa vez dividindo a direção com outra atriz que também estava em cena, e um diretor completamente de fora.

Emi Junqueira também fazia a peça como atriz e também era bastante colaborativa em outras funções – mais um exemplo de como há numerosas maneiras de se realizar o teatro. Acho isso bonito.

“O Censor – em cena Alexandre Varella e Patrícia Niedemeier.

“O Censor”.

 Alexandre Varella em “O Censor”.

 

Espetáculo: “O Censor”.

 

 

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Cite um longa feito com cada um deles: Andrucha Wadington, Walter Lima Jr e Sandra Kogut.

 

 

Alexandre Varella – Com Andrucha, fiz “O Juízo”, escrito pela Fernanda Torres – nesse filme, contracenei com a Fernanda Montenegro. Inesquecível! Mesmo que tenha restado pouco da minha participação no corte final, foi uma experiência maravilhosa.

Alexandre Varella e Fernanda Montenegro.

 

Com Walter, fiz “Através da Sombra”, uma adaptação brasileira da novela literária “A Volta do Parafuso”, do Henry James. É um filme bonito, belamente atuado e produzido pela Virgínia Cavendish.   

Com a Sandra – “Três Verões”. Foi uma participação afetiva, mas pude ver em ação no set o grande Otávio Muller. Recentemente dirigi o Otávio na narração do audiolivro “1984”, do George Orwell, que será lançado em breve pela Audible. Aliás, as narrações de audioalivros são uma paixão recente.

De quatro anos para cá, gravei muitos audiolivros, como “Hilda Furacão”, “A Lista de Schindler”, “A Muralha”, “S. Bernardo” e quase uma centena de outros títulos.

Ultimamente, tenho mais dirigido do que narrado. Mas pretendo continuar narrando.

 

 

 

 

Francis Fachetti – Em Portugal comemorou a remontagem de “Bonitinha, mas, ordinária” de Nelson Rodrigues – num personagem que te deu um prazer enorme e o privilégio de contracenar com grandes nomes do cenário artístico – a quem eu chamo de Operários da Arte.

Comente sobre essa arquitetura teatral para nos deleitarmos. Como foi todo esse processo?

 

Alexandre Varella – Fazer o “Bonitinha…” foi uma experiência fundamental na minha vida.

Eduardo Wotzik já havia encenado com sucesso a peça e estava remontando o espetáculo vinte anos depois, com o mesmo elenco, para celebrar a montagem.

Eu era assistente de direção do Eduardo e quem faria o Edgard seria o enorme Gustavo Gasparani. Acontece, que na mesma época, Eduardo e Gustavo estavam ensaiando Édipo Rei. Gustavo tentou conciliar, mas acabou optando por focar na construção de seu Édipo.

Entrei no lugar dele faltando poucas semanas para a estreia – depois das apresentações no Teatro Glauce Rocha, dentro da programação de algum festival (acho que promovido pela FUNARTE), ainda fizemos algumas outras no Rio antes de ir para Portugal encenar a peça no Porto.

Era dentro de um festival do Ano Brasil/Portugal que estava levando peças do Nelson Rodrigues para o Teatro Nacional São João – um teatro belíssimo, com uma estrutura e equipe incríveis. Foi maravilhoso!

A peça é um tragicômico retrato do Brasil e seus cinismos, perversões e hipocrisias. Lembro muito bem do espanto do Eduardo e do elenco original (um elenco deslumbrante) ao constatarem que, vinte anos depois da montagem original deles, o texto havia se tornado ainda mais atual.

São muitas atrizes e muitos atores incríveis nesse elenco, mas cito aqui, representando essa turma talentosa que tanto me ensinou, a grande Clarice Niskier, que fazia a Ritinha deslumbrantemente. Foi um deleite contracenar com ela e ver de perto seu talento assombroso em ação.

A encenação do Eduardo era belíssima; Atemporal – firme e com soluções cênicas ágeis.

Ele conseguia manter o ritmo novelesco do texto sem perder um pingo de potência teatral.

Foi um momento de muitos aprendizados para mim. Inesquecível!

Em cena com Clarice Niskier.

“Bonitinha, mas, ordinária” – Nelson Rodrigues.

 

 

 

 

 

 

Francis fachetti – Discorra a respeito de sua presença no Armazém Cia. de Teatro e na Cia. Teatro Autônomo.

 

 

Alexandre Varella – Logo no início da minha carreira, passei por essas duas companhias muito importantes, respeitadíssimas – já eram na época.

Com elas, tive a oportunidade de, muito cedo, ver como era possível fazer um teatro artisticamente relevante e corajoso, por meio de um alto grau de profissionalismo e profunda dedicação dos talentosos profissionais de todas as áreas.

Guardadas as diferenças das linguagens pesquisadas em cada uma delas, ambas as companhias me ensinaram a importância da disciplina como catalisador do talento – em todas as áreas do fazer teatral.

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Com uma frase defina cada um desses necessários encenadores que você se impregnou em suas direções:

Antonio Abujamra, Eduardo Wotzik, Sidnei Cruz, Walter Lima Jr., Bruce Gomlevsky, Victor Garcia Peralta.

 

Alexandre Varella – Tive e tenho relações de diferentes naturezas e diferentes tempos de convívio e troca com esses artistas que você cita. Com alguns, realizei vários espetáculos ao longo de muitos anos. Todos são mestres em suas artes, cada um a seu modo; impossível defini-los.

O que posso tentar é formular alguma espécie de síntese subjetiva sobre como foi para mim ser dirigido por eles.

Abu, o mestre afetuoso e provocador enciclopédico com assombrosa memória.

Wotzik, o mestre da inteligência e da obsessão pelo bem-fazer.

Sidnei Cruz, o mestre da liberdade, um agitador cultural que cria pontes e teias na arte e na vida.

Walter, o mestre da arte total, um catalisador da comunhão entre teatro e cinema.

Bruce, o mestre híbrido – simultaneamente o ator que dirige e o diretor que atua.

Victor, o mestre da condução com elegância, dono do raro talento do bem-ouvir.

 

 

 

Francis Fachetti – Dentre as 38 peças que efetivou como Operário da Arte – escolha uma e fale o que achar relevante sobre ela.

 

 

Alexandre Varella – Pergunta difícil. Sei que é um clichê dizer isso, mas é um clichê inescapável: todas as peças que fiz são importantes realizações na minha trajetória profissional e geraram encontros fundamentais na minha vida.

Vou escolher “O Interrogatório”, do Peter Weiss, encenada pelo Eduardo Wotzik.

Esse projeto tem um nascimento curioso: em 2009, procurei o Eduardo para mostrar um monólogo que estava pensando em produzir na época e saí desse encontro com um pacto para produzimos juntos “O Interrogatório” com quase 40 atores em cena. Foi a coletividade do teatro se reafirmando em máxima potência.

A peça do Weiss é uma recriação do Julgamento de Frankfurt, que ele acompanhou presencialmente.

Em 10 Atos, ou Cantos, como ele chamou, Weiss cria uma peça de tribunal com juiz, advogado e promotor, onde testemunhas sobreviventes do holocausto – diante de acusados nazistas que também estão presentes no julgamento -, narram os horrores do nazismo, dores que vivenciaram na própria pele, desde a chegada de trem nos campos de concentração, até o extermínio em massa promovido contra os judeus nas câmaras de gás. Estreou no formato de uma vigília de 24 horas. A peça toda tinha por volta de 5 horas e meia, com 9 intervalos onde a encenação do Eduardo Wotzik propunha acontecimentos extratexto. Quando acabava, recomeçava imediatamente; Em looping.

O público muitas vezes não pecebia que tinha recomeçado. Pessoas que iam assistir com a intenção de ficar 1 hora chegavam a ficar 5 horas. Todos os atores em cena durante 24 horas! Era um elenco deslumbrante. Depois fizemos em diferentes formatos, mas a estreia na Casa de Cultura Laura Alvim começou às 18h de uma sexta e terminou às 18h de sábado. O público podia entrar e sair a hora que quisesse.

A peça era um alerta para que os horrores do nazismo não se repetissem. Era pesada, um libelo contra o autoritarismo perverso. Uma ode ao triunfo da vida contra a barbárie.

Foi um período muito intenso, de muito trabalho. Além de dirigir e executar a produção com o Eduardo, fiz sua assistência, colaborei na adaptação do texto e, como era o intuito inicial, fiz como ator.

O espetáculo era um alerta para o período autoritário que estava por vir no Brasil e no mundo – período que ainda estamos tentando superar. Superaremos.

 

 “ O Interrogatório”.

 

“O Interrogatório” – com Alexandre Varella.

Direção: Eduardo Wotzik

“O Interrogatório”.

 

 

 

 

 “O Interrogatório” – direção: Eduardo Wotzik.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Francis Fachetti – Terminando com chave de diamante, vamos falar de “A Última Ata”, direção bela e minuciosa do Victor Garcia Peralta, seu mais recente feito atoral, que eu tive o prazer de assistir. Não fiz crítica teatral, porém, cheguei a divulgar muito como Espetáculo NECESSÁRIO – e fiz precioso elogio ao seu trabalho em cena que se colocava com muita competência.

Disserte, exponha, expresse suas ideias dessa cena teatral e fale um pouco desse elenco expoente que integrou esse cenário cultural de extremo necessário.

 

 

Alexandre Varella – “A Última Ata” é um texto do Tracy Letts que, dentre outras coisas, trata de como o autoritarismo reacionário pode sorrateiramente se instalar nas estruturas formais de poder, e, com isso, ditar modos de existência e moldar a visão de mundo dos cidadãos.

A peça se passa durante uma sessão da Câmara de Vereadores de uma cidade do interior. Eu fazia o vereador novato, idealista, que aos poucos ia percebendo que seus colegas não tinham a integridade que aparentavam. Que em nome da manutenção de privilégios, podiam até reescrever com mentiras a História com H maiúsculo.

Torço para que o José Pedro Peter, idealizador, produtor e tradutor da peça, consiga captar para que façamos novas temporadas porque é um espetáculo que segue urgente.

Foi muito interessante fazer uma peça política, sobre política, justamente no período conturbado das eleições presidenciais de 22; o Teatro dialogando com seu tempo imediatíssimo. Era um retrato do país que precisa ser combatido e reinventado.

A equipe era incrível, a direção do Victor sensacional.

O elenco era formado por outros 10 atores maravilhosos, patrimônios do Teatro. Atrizes e atores muito talentosos com 30, 40, 50, até 60 anos de carreira no auge de suas atividades e forças criativas! No auge de suas curiosidades! Questionando a cena, sintetizando seu tempo!

O ofício do ator é um ofício da longevidade: quanto mais tempo de carreira, mais jovem fica o espírito. Foi o que pude experimentar com eles.

Foi muito bonito fazer parte desse elenco. Espero conseguir sempre manter o frescor e a potência da chama do jeito que esses artistas maravilhosos mantêm.

 

Em cena em “A Última Ata”.

Direção: Victor Garcia Peralta.

 

Em cena em “A Última Ata”.

Direção: Victor Garcia Peralta.

Elenco de pura competência – Operários das Artes.

 

 

Simplesmente:

ALEXANDRE VARELLA

 

 

 

 

 

 

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