– Entrevista NECESSÁRIA: LUCAS GOUVÊA – Ator

O Blog/Site de Críticas Teatrais e de Dança

Apresenta:

O Blog/Site iniciou a temporada de Retrospectivas e INÉDITAS das inúmeras homenagens feitas aos artistas das artes cênicas em geral – teatro, dança, cinema, técnicos:

Operários das Artes.

Projeto: “Entrevistas NECESSÁRIAS”, inserido nesse Blog/Site de Críticas Teatrais e de Dança, no começo da pandemia.

RETROSPECTIVA

Repaginada e com Atualizações

LUCAS GOUVÊA

Ator

 

O Blog/Site apresenta em seu palco, através do projeto – “Entrevistas NECESSÁRIAS” – a trajetória de extremo necessária de um ator, diretor, professor, gerenciador de redes sociais – que nos oferece com sua atravessadora carreira mergulhada em documentos cênicos culturais que abarcam vários formatos: teatro, cinema, tv, experiências pessoais e a construção de veredas que opulentam o ofício artístico em todas as suas circunstâncias, e que teremos o privilégio de saber em seus depoimentos/trabalhos.

O Operário da vez vem com sua Retrospectiva Repaginada- feita a dois anos atrás -, e com algumas atualizações de trabalhos efetivados mais recentes, Confiram!!!

ATUALIZAÇÕES:

– Espetáculo: “O Tempo e a Sala” de Botho Strauss.

Direção: Leandro Daniel Colombo; mis uma vez contracenando com Simone Spoladore, Jandir Ferrai e Rafa Sieg – Teatro Firjan Sesi Centro em maio 2023.

– Atualmente está no elenco da nova novela da Globoplay “Guerreiros Do Sol” para 2024.

“O Tempo e a Sala”

“O Tempo e a Sala”

“O Tempo e a Sala”

Bastidores: “Guerreiros do Sol”

“Cabeça Documentário Cênico”

“Cabeça Documentário Cênico”.

“Cabeça Documentário Cênico”

“Dois Mundos – VOLUME 01 CORAÇÃO”

LUCAS GOUVÊA:

Formado pela CAL – Casa das artes de Laranjeiras em 1996.

Participou como ator em mais de 70 trabalhos, entre espetáculos teatrais, curtas, longas e programas de tv.

Foi membro fundador do Grupo Dragão Voador Teatro Contemporâneo e atualmente faz parte do coletivo Complexo Duplo.

O Coletivo Complexo Duplo arquitetou esse espetáculo documentário intercalando depoimentos pessoais dos atores e todas as músicas do álbum dos Titãs – tocadas e cantadas ao vivo. Foi indicado a vários prêmios e levou o Shell de melhor música em 2017.

Em cena Lucas Gouvêa em “Amores” de Domingos Oliveira.

Entrando na Retrospectiva da

Entrevista NECESSÁRIA com:

LUCAS GOUVÊA

Francis Fachetti – Apresente para todos o trabalho do Grupo Dragão Voador Teatro Contemporâneo, onde foi um dos fundadores, citando um trabalho efetivado com essa Cia.

Da mesma forma, atualmente fazendo parte do Coletivo Teatral Complexo Duplo, descreva-o e fale de um dos trabalhos realizados.

Lucas Gouvêa – Entrei na CAL – Casa das artes de Laranjeiras em 1994, e foi lá que conheci dois grandes diretores/parceiros: Joelson Gusson e Felipe Vidal.

Com Joelson havia um desejo de montar uma companhia juntos, acreditando que o trabalho contínuo, somando forças, seria fundamental para nosso ofício. Para um trabalho de nossas aulas de voz, Joelson, influenciado pelo teatro do Absurdo de Ionesco, escreveu um texto que seria a cena embrionária do primeiro espetáculo da companhia, que na época se chamava Cia das Índias Ocidentais: OS COLECIONADORES.

A peça estreou em 1998 nos escombros do Teatro Casagrande, e graças ao entusiasmo do dono do Teatro Max Haus e ao “paitrocínio” de Ney Ribeiro (pai da atriz Ângela Câmara), esse bando de garotos recém-formados pôde cumprir uma temporada no Rio de Janeiro (onde uma pauta para jovens atores era praticamente impossível).

O processo foi delicioso. Ensaiamos por quase um mês isolados num sítio em Teresópolis e o espetáculo, recheado de nonsense, era muito divertido.

Joelson, além de escrever e dirigir, assinou também a cenografia.

No elenco, junto comigo estavam Ângela Câmara, Adriana Assis, Tula Axiotelis e Wendell Bendelack

Espetáculo: “Os Colecionadores”. Em cena com Ângela Câmara.

Por motivos pessoais, me afastei do Rio de Janeiro e da carreira de ator. Passei dois anos e meio só dando aulas de teatro em Natal e Brasília.

E foi lá no Distrito Federal que recebi uma visita de Joelson Gusson com a proposta de montarmos o segundo espetáculo da companhia. Mesmo deprimido e atolado em problemas financeiros, decidi voltar ao Rio e retomar a carreira. Joelson foi quem me estendeu a mão e me deu todo o suporte para esse meu retorno. Sou eternamente grato a ele por isso.

AS CRIADAS de Jean Genet, estreou em 2004 no teatro Glauce Rocha e depois fez uma temporada incrível no Centro Cultural São Paulo. Na época o nome do grupo era Cia Absurda. Na sequência, em 2006, conseguimos uma pauta na Arena do Sesc Copacabana e estreamos, já com nome definitivo de Dragão Voador Teatro Contemporâneo, com o espetáculo O QUE NOS RESTA É O SILÊNCIO.

“O Que Nos Resta é o Silêncio” –Cia Dragão Voador Teatro Contemporâneo.

“O Que Nos Resta é o Silêncio” – Cia Dragão Voador Teatro Contemporâneo.

“As Criadas” de Jean Genet.

Cia Absurda que vem a ser Dragão Voador Teatro Contemporâneo.

Espetáculo: “As Criadas” de Jean Genet. Em cena com Leonardo Corajo.

Em cena Lucas Gouvêa em “O Que Nos Resta é o Silêncio”. Cia Dragão Voador Teatro contemporâneo”.

Logo depois, em 2007, veio MANIFESTO CIBORGUE: uma ideia ousada, um trabalho que levou três anos para ficar pronto. Partindo de um artigo da filósofa americana Donna Haraway, queríamos fazer uma peça nua, poucas falas, poucas músicas, pouca roupa. A nudez do teatro para falar da nudez do corpo e de tudo que colocamos em cima dele.

Foram várias temporadas, além de participações no RIOCENACONTEMPORANEA, Festival de Curitiba e para minha grande alegria, minha primeira viagem internacional a trabalho: fomos selecionados para o FOUR DAYS FESTIVAL em Praga, na República Tcheca. Lá recebemos excelentes críticas, além de uma recepção muito calorosa do público. 

“Manifesto Ciborgue”.

Participei ainda de mais três espetáculos da Companhia: AMÉRIKA (2012), AS HORAS ENTRE NÓS (2013) e O ANIMAL QUE RONDA (2018).

Depois desse último projeto, decidimos dar um tempo trabalhando juntos.

A companhia existe ainda com Joelson, mas sem a minha participação. Mas estou e sempre estarei na plateia assistindo e aplaudindo tudo que ele faz.

Espetáculo: “Amérika”, com Cris Larin.

Espetáculo: “A Hora Entre Nós”. Com Carolina Ferman.

“A Hora Entre Nós”. Com Cris Larin.

“A Hora Entre Nós”. Com Cris Larin.

Espetáculo: “O Animal Que Ronda”.

“O Animal Que Ronda”.

Com Felipe Vidal a identificação pessoal e artística surgiu já no primeiro dia de aula na CAL.

Fizemos todo o curso juntos e em 1995, ainda na escola de teatro, montamos NEN MORTA, adaptado do texto “De salto alto” de Mário Prata, num Festival de Novos talentos no Teatro Dulcina (não me lembro exatamente o nome do festival).

A vontade de Felipe, como a minha, sempre foi a de trabalhar com um grupo de artistas e poder desenvolver uma linguagem e uma trajetória juntos.

Como eu já estava trabalhando com Joelson, Felipe se juntou com outros artistas/colegas da CAL e deu início a sua carreira excepcional como diretor. Nossa amizade continuou forte, mas profissionalmente só nos reencontraríamos em 2007 no espetáculo O MUNDO MARAVILHOSO DE DISSOCIA de Anthony Neilson no Mezanino do Sesc Copacabana. Foi no camarim desse teatro que li pela primeira vez o texto SUTURA (também de Neilson) me apaixonei completamente pelo texto e propus a Felipe que montássemos o espetáculo. Ainda em 2007 apresentamos um processo do trabalho no RIOCENACONTEMPORANEA e em 2009 estreamos a peça no Oi Futuro. No elenco comigo, Cristina Flores.

Espetáculo: “Sutura”. Em cena com Cristina Flores.

São muitos anos de uma parceria bonita, criativa e duradoura. Fizemos juntos também os espetáculos ROCK’N’ROLL de Tom Stoppard (2009), TENTATIVAS CONTRA A VIDA DELA de Martim Crimp (2010 sendo este o primeiro espetáculo como o coletivo Complexo Duplo), A CIDADE, também de Martim Crimp (2012), DEPOIS DA QUEDA de Arthur Miller (2012), GARRAS CURVAS E UM CANTO SEDUTOR de Danielle Ávila Small (2015), CABEÇA – UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO (2016) e DOIS (MUNDOS) em 2020.

Além de todos esses espetáculos e viagens por esse Brasil, Felipe também foi preparador de elenco no longa metragem que participei como ator HOMEM LIVRE de Álvaro Furloni (2018) e atuamos juntos no curta metragem UIVO de Lucas Alves de Meira. 

Espetáculo: “Rok`N`Roll”. Com Thiago Fragoso.

Espetáculo: “Tentativas Contra a Vida Dela”.

Em cena com José Karini. Primeiro trabalho com o Coletivo Complexo Duplo.

Em cena em “Tentativas Contra a Vida Dela”.

Espetáculo: “Depois da Queda” de Arthur Miller.

Em cena com Simone Spoladore.

“Depois da Queda”, com Simone Spoladore.

Espetáculo: “Depois da Queda”.

Espetáculo: “Garras Curvas e Um Canto Sedutor” de Danielle Ávila Small.

No atual trabalho do coletivo Complexo Duplo DOIS (MUNDOS) realizado nesses tempos loucos de pandemia, alcançamos uma maturidade e troca que o tempo ajudou a construir: Sempre sob a condução de Felipe Vidal, todos os artistas envolvidos tocam instrumentos/cantam, escrevem, atuam, editam, pensam em elementos de luz e cenário.

O trabalho foi concebido para ser online.

Foram 12 episódios, cada um inspirado em uma faixa do Álbum Dois da Legião Urbana. Agora estamos no exato momento de reunir o vasto material produzido e pensar em sua transição para o palco, talvez ainda nesse ano de 2021.

“Dois (Mundos). 2020.

Dois (Mundos).

Audiovisual “Dois (Mundos)”. Com Carol Fazu.

Coletivo Complexo Duplo.

 

Francis Fachetti – Mais do que nunca o feminicídio nos acomete e foi pauta da narração e apresentação no espetáculo “Por Elas” – escrito e dirigido por Silvia Monte, onde você se “vestia” de 9 homens como intérprete. Desfie essa cena teatral, tão dolorida e atual.

Lucas Gouvêa – Saber que todas aquelas falas e situações absurdas vividas pelos personagens da peça aconteceram de verdade, trouxe um peso e os dados sobre o Feminicídio no Brasil assustam, mas, antes de participar do espetáculo POR ELAS, era um assunto que me tocava, de forma distanciada, pois nunca vivi casos de violência doméstica na minha casa.

Foi um processo longo, instigante e também doloroso. O texto do espetáculo, escrito pela diretora Sílvia Monte e por Ricardo Leite Lopes, partiu de depoimentos reais de mulheres que tiveram relacionamentos abusivos – responsabilidade muito maiores para todos nós. Além disso, nas sessões da peça, estavam sempre presentes grupos de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica.

Diretora Silvia Monte que escreveu o texto de “Por Elas” junto com Ricardo Leite Lopes.

Era impressionante ver como essas mulheres reviviam na plateia, o ciclo da violência:

Todos os nove personagens que eu fazia, tinham uma interação direta com a plateia.

Elas se divertiam e flertavam com eles no início das histórias, quando tudo estava bem, ficavam inquietas quando percebiam o aumento da tensão – arrasadas quando acontecia o primeiro ato de violência, confusas quando os personagens masculinos se “arrependiam” e se calavam num silêncio devastador quando acontecia finalmente o feminicídio.

Cena do espetáculo: “Por Elas”.

Fazer parte desse trabalho ligou meu sinal de alerta como homem: embora me considerasse um cara tranquilo e não violento, comecei a identificar atos cotidianos de machismo e não foi nada agradável enxergar isso em mim.

Entrar profundamente em contato com pautas que aparentemente não são nossas, é uma oportunidade única que o artista tem de avançar como pessoa e cidadão.

Em cena com Rosana Prezeres em: “Por Elas”.

Cena de “Por Elas”.

Para compor os 9 personagens, parti de um elemento externo: a camisa que usava.

Sabia desde os ensaios que usaria uma camisa preta de botão. Então, as pequenas diferenças – quantidade de botões abertos, manga dobrada ou abotoada, camisa para dentro ou fora da calça, me ajudaram a construir cada um desses 9 homens e suas vozes, posturas, gestos, ritmos, temperaturas, andares…

Foram várias leituras dramatizadas e 4 temporadas no Rio de Janeiro, sempre de casa cheia. E com a mão firme e incansável da diretora Silvia Monte. 

Em cena no espetáculo “Por Elas”.

Elenco de “Por Elas”.

 

Francis Fachetti Expresse, definindo, olhando para si mesmo, quem é o Lucas Gouvêa em cada uma dessas funções: Diretor; produtor; Gerenciador de Redes Sociais e principalmente como professor de teatro em variadas fases da vida – crianças, adolescentes e terceira idade.

Cite um trabalho que dirigiu e um que produziu falando deles, seus processos e o que trouxeram como saldo.

Comente, elegendo dentre as mais de 70 presenças como ator: Um curta, um longa-metragem e um espetáculo teatral. Exponha o que essas três empreitadas cênicas contribuíram de mais efetivo no seu desencadear e crescimento como pessoa e profissional no ofício.

Lucas Gouvêa – Penso no trabalho de Diretor como PROFESSOR. Não me interessa (até agora pelo menos), trilhar um caminho como diretor. Todos os espetáculos que dirigi foram dirigindo alunos ou ex-alunos. 

Fui um garoto do interior de Minas extremamente tímido e inquieto. E tive o privilégio de entrar em contato com a arte através do teatro, num lugar onde não tinha teatro até então. Isso mudou completamente a minha vida. Então, talvez por gratidão, eu goste tanto de trabalhar dirigindo meus alunos. Ajudar um jovem a se conhecer melhor e externalizar suas luzes e sombras numa sala de ensaio ou no palco é uma das coisas mais gratificantes desse trabalho a meu ver. Além disso, existe uma viagem muito interessante entre o passado, o presente e o futuro: Dirigindo meus alunos, tenho a oportunidade de me ver lá atrás com todos os medos e desprendimentos da juventude, me vejo também como sou agora, exercitando diariamente minha paciência e generosidade e também posso tentar vislumbrar o que vem por aí: o artista que posso ser depois de passar consciente por todas essas experiências.

Penso no trabalho de produtor como EMPREENDEDOR. Penso muito em como tantos projetos incríveis por aí estariam nas gavetas até hoje se um artista não tivesse a coragem de tirá-los de lá…porque acho que é preciso muita coragem para encarar uma produção.

Para mim, sair do plano das ideias e criação e transformá-las em algo concreto e real, com tudo de mais concreto que existe – que é aprender a lidar com editais, planilhas, dinheiro, prazos, etc...uma tarefa extremamente difícil, mas ao fim, muito prazerosa. Além disso, como produtor aprendi a lidar melhor com a questão financeira, geralmente complicada para a maioria dos artistas, consigo hoje saber quanto posso cobrar por um trabalho e evitar ser passado para trás.

Penso no trabalho de gerenciador de redes sociais como CUIDADOR. As redes sociais são uma realidade incontestável. É claro que existe um lado muito negativo nisso: a superficialidade das relações, a violência das milícias digitais, o cyberbullying, a busca incessante por seguidores, enfim uma lista interminável. Mas por outro lado, a meu ver, existe uma coisa muito importante nessa função: O registro documental dos trabalhos.

Sou de uma época em que tínhamos que juntar páginas e mais páginas amareladas de jornais e revistas para documentar a existência de um espetáculo por exemplo. Agora, está tudo ao alcance de um click. O estudo de como uma página pode chegar a um público específico e toda o trabalho gráfico pensando na criação de conteúdo é um trabalho que me distrai e me dá muito prazer. São registros que ficam eternizados e disponíveis para futuras gerações. É uma forma também de acompanhar o trabalho de um artista e/ou um grupo que você admira.

Penso no trabalho de professor como SEMEADOR. Como ator, ter essa oportunidade de repassar tudo que aprendi nesses anos de estrada e estar diariamente revendo através dos meus alunos, todas as dificuldades e delícias da profissão é muito gratificante. Além disso, ter a oportunidade de presenciar o surgimento do brilho no olhar de um aluno quando ele verdadeiramente entra em contato com a arte e poder ao mesmo tempo reviver isso, não tem preço. É uma reafirmação diária do meu amor pelo ofício de ator. Penso também que tive a chance, dando aula e dirigindo meus alunos, de experimentar muitas ideias que provavelmente não poderia colocar em prática na minha vida profissional, por falta de tempo, dinheiro ou oportunidade. 

Foram muitos, muitos espetáculos que dirigi com alunos em cursos, oficinas e escolas por esse Brasil afora. Destaco dois que me marcaram profundamente: 

Em 2000 fui trabalhar em Natal numa escola de atores. Foram várias turmas e espetáculos. Mas, com a turma de domingo à noite foi um encontro muito especial.

Natal na época ainda era bastante provinciana. Na escola que trabalhava, o carro chefe era a aula de interpretação para Tv com alguns atores famosos no meio. A grande maioria dos alunos se matriculou por isso. Muitos ali nunca tinham ido ao teatro na vida e toda referência que tinham era das novelas. As aulas de teatro começaram e foi impressionante acompanhar a evolução, principalmente dessa turma citada nos dez meses de curso. Tinham um interesse, uma avidez, uma criatividade tão bruta e pura que poucas vezes vi em minha vida.

Montei com eles o espetáculo PAIXÕES URGENTES uma colagem de textos de Nelson Rodrigues. Foi um trabalho que nunca me esqueci e me encheu de força para retomar a carreira de ator mais tarde.

Em 2005, por razões financeiras, comecei a dar aulas em minha cidade natal: Além Paraíba, MG. Foram oito anos indo para lá toda semana para dar aulas a princípio e depois para dirigir o grupo criado a partir do curso: O Caras de Palco. Nos três primeiros anos, os espetáculos foram apresentados na escola onde trabalhava, pois, a cidade estava sem teatro. Em 2008 a prefeitura reformou e reinaugurou o cine teatro da cidade e foi lá que estreamos o primeiro espetáculo neste espaço recém reformado e equipado: O BAILE, adaptação que fiz do filme de Ettore Scola. Foi um grande sucesso com várias temporadas.

Aqueles alunos incríveis tiveram a oportunidade de viver isso com muita responsabilidade e profissionalismo. Era uma loucura, dessas loucuras boas que só o teatro traz: mais de vinte atores em cena, incontáveis trocas de figurino em tempo recorde, inúmeras coreografias, ensaios e mais ensaios sem hora para acabar, pesquisas sobre as várias épocas que a peça atravessava, um trabalho todo visual sem nenhum texto. Esse espetáculo também foi responsável pelo início de uma formação de plateia importantíssima, afinal foram gerações e gerações crescendo sem um teatro na cidade.

O primeiro espetáculo que produzi foi SUTURA dirigido pelo grande parceiro Felipe Vidal e que cumpriu temporada no Oi Futuro em 2009.

Atuar e produzir ao mesmo tempo é um exercício diário de resiliência… como estar bem no ensaio de manhã depois de passar a madrugada resolvendo um pepino? Como retomar o fluxo de uma cena depois de interromper o ensaio para assinar um cheque? Acredito que uma das inumeráveis funções de um produtor seja proteger o artista de assuntos que não lhe dizem respeito para que possam estar concentrados em cena. Por muitas vezes, quando só atuava, só soube de problemas imensos da produção tempos depois numa mesa de bar.

Em SUTURA tive que aprender a me proteger na marra. Como saldo positivo ficou o resultado do trabalho que foi lindo, a prática em resolver problemas rapidamente sem me apavorar e principalmente me dividir em várias funções sem deixar que uma contamine a outra.

No cinema, queria falar sobre minhas primeiras experiências na área: Meu primeiro curta VERDADE OU CONSEQUÊNCIA e meu primeiro longa RISCADO. 

Em 1999, fazia como ator o espetáculo UM QUARTO DE CRIME E CASTIGO e todo o elenco foi convidado para o núcleo principal de um curta metragem chamado VERDADE OU CONSEQUÊNCIA com roteiro e direção de Aleques Eiterer.

Ivan Sugahara que dirigia o espetáculo foi chamado para fazer a preparação de elenco do filme. Ensaiamos muito antes de viajar para Juiz de Fora, onde o curta seria rodado. Sempre fui completamente apaixonado por cinema e sempre sonhei em fazer parte de um filme.

Entrei em contato pela primeira vez com uma coisa que acho muito bonita num set – uma equipe de cinema.

No Curta “Verdade ou Consequência” com Joelson Gusson.

Como é bacana acompanhar de perto cada profissional em sua função, contribuindo para o resultado final.

Um verdadeiro formigueiro que para completamente ao ouvir a palavra: Ação! O filme conta a história de um grupo de amigos do interior, o envolvimento de dois deles: Humberto (meu personagem) e Antônio (personagem de Joelson Gusson) e as consequências disso na vida dos dois jovens. O curta de temática LGBTQIA+ demorou muito a ser finalizado. Foi rodado em 16mm e com pouco dinheiro de produção. Já morando a trabalho em Brasilia, em 2002, assisti finalmente a estreia do filme no Festival de Cinema, onde ganhou três prêmios. O filme está disponível no Portal Curtas.

Em 2010, fazia um espetáculo com a atriz Karine Teles e estávamos muito próximos. Me lembro dela me mostrar um tratamento do roteiro de RISCADO.

A ideia ainda era ser um curta, dirigido por seu marido na época, Gustavo Pizzi.

Durante o início da preparação de elenco, veio a notícia que o curta agora seria um longa.

O mais bacana desse trabalho, além de ser um filme incrível, merecidamente premiado e do qual me orgulho muito de fazer parte, foi o processo colaborativo e afetuoso. Gustavo e Karine são artistas extremamente generosos e eu e outros atores tivemos a liberdade de colaborar no roteiro, na fase de ensaios em improvisações e até mesmo no próprio set. A cena onde meu personagem Filipe recebe Bianca (Karine Teles) e Cecília (Cecília Hoeltz) por exemplo – foi quase toda improvisada com a câmera rodando. Depois Gustavo editou o que achou melhor.

O que quero dizer é que o clima de liberdade, respeito e acolhimento no set foi fundamental para o belo resultado do filme e atuar em meu primeiro longa dessa maneira foi uma sorte grande. 

Bastidores do Longa-Metragem: “Riscado”.

No teatro, foram muitos trabalhos que me realizaram mas quero falar aqui de um que foi realmente um marco na minha vida profissional: UM QUARTO DE CRIME E CASTIGO.

Em 1998, a atriz e amiga Cristina Flores, depois de assistir a uma cena minha em um curso, me chamou para tocar com ela um projeto sensacional e ambicioso: adaptar Crime e Castigo de Dostoiévski para o teatro. Seria focado a princípio na relação entre os personagens Sonia e Raskolnikov. Sugeri o nome de Ivan Sugahara para dirigir. Depois sentimos a necessidade de incluir os personagens do pai e madrasta de Sonia, e entraram no projeto Ângela Câmara e Joelson Gusson, que também faria o cenário – foi um longo processo, desses longos processos que geralmente só atores jovens podem fazer, pois tem tempo. No final do processo, começamos a ensaiar num quarto do meu apartamento na Urca e adaptamos o espaço para receber algumas pessoas de confiança para assistir os ensaios.

Numa dessas sessões recebemos nossa grande mestra Celina Sodré. Estávamos bem desanimados, pois, com o espetáculo quase pronto, não havíamos conseguido pauta em nenhum teatro do Rio de Janeiro…então Celina disse para gente: “Por que não fazem aqui? ” E fizemos! Num espaço de cena de 3m X 3m e para 6 pessoas por sessão – ficamos mais de um ano em cartaz…sempre de casa cheia rsrs.

Eu e Cristina começávamos o espetáculo na rua: Eu sentado num canteiro bebendo e Cris fazendo ponto numa esquina. Quando o público chegava, Ângela descia as escadas do prédio e conduzia os espectadores junto comigo até o terceiro andar e começava o espetáculo. Tantas histórias interessantes dessa época…como a vez que um vizinho de uma casa em frente não me reconheceu caracterizado e ameaçou chamar a polícia porque na Urca não era lugar de mendigo…ou quando um taxista parou seu carro e perguntou a Cristina quanto ela cobrava pelo programa…ou quando um fotógrafo me pediu para tirar uma foto minha achando que eu era morador de rua e quando eu disse que era ator, ele me respondeu: “E quem não é? ” Após o espetáculo oferecíamos um chá e conversávamos com o público. Muitos desses chás foram maravilhosos.

Quando o grande Ferreira Gullar foi assistir por exemplo, ficamos conversando até de madrugada. Depois dessa temporada no Rio, fizemos uma temporada no porão do Centro Cultural São Paulo e participamos do projeto Palco Giratório do Sesc. Foram 12 cidades de Santa Catarina, com duas apresentações em cada uma. Não fazíamos o espetáculo num teatro. Fizemos em boates, bares, casas abandonadas, celeiros…chegávamos em cada cidade e adaptávamos a peça de acordo com o espaço. Foi um aprendizado imenso, intenso e inesquecível.

Espetáculo: “Um Quarto De Crime e Castigo”. Com Cristina Flores.

“Um Quarto de Crime e Castigo” – adaptação da obra de Dostoièvski:

“Crime e Castigo”.

Em cena com Cristina Flores.

 

Francis Fachetti – Dentro de sua experiência no audiovisual, discorra e nos alimente dessas filmografias e do seu desenredar em cada uma delas: “Riscado”; “Benzinho”; “Os Últimos Dias de Gilda” – selecionado para o Festival de Berlim.

Lucas Gouvêa – RISCADO foi meu primeiro longa. É um filme que conta, com muita propriedade e nenhuma pieguice, uma história de vida de uma artista. Para quem é do ramo, o filme causa uma identificação total. Para quem não é, causa empatia.

Acho que muito da força do filme vem de três elementos: Da interpretação avassaladora de Karine Teles – merecidamente várias vezes premiada – da direção sensível de Gustavo Pizzi e do roteiro, escrito com recortes de histórias reais vividas por atores/atrizes.

A cena em que meu personagem Filipe demite Bianca por exemplo, tem trechos inteiros de uma conversa real que vivi com uma produtora que foi desonesta comigo. Isso foi rapidamente incorporado ao roteiro depois que contei essa minha história num ensaio.

Karine, depois de viver uma situação terrível muito parecida com a de sua personagem, ao invés de ficar deprimida, deu a volta por cima, escreveu o roteiro com Gustavo, colocando ali todo seu grito de revolta e insatisfação e conseguiu realizar o filme. Ironicamente, o longa em que ela foi passada para trás e proporcionou a escrita do roteiro, estreou no Festival do Rio no mesmo ano de RISCADO. Mas Karine saiu de lá com o troféu de melhor atriz. Já o outro filme, hoje está esquecido…prova de que a terra é redonda e dá voltas…

No Longa-Metragem “Riscado” com Karine Telles.

 

BENZINHO foi o segundo filme que fiz em parceria com Karine e Gustavo.

Uma pequena participação afetiva como o funcionário de um cartório em Petrópolis, onde se passa a trama. Total generosidade dos dois, que chamaram alguns atores de RISCADO para participar do novo longa. Mais uma vez, existiam as falas do roteiro, mas Gustavo nos deixou super a vontade para improvisar no ensaio antes de rodar e o resultado está no filme: adoro essa cena com Karine, Otávio Muller e Konstantinos Sarris.

O filme não precisa de grandes apresentações: Belíssimo, também superpremiado em vários festivais, tem na medida certa humor, drama e uma verdade tão grande nas interpretações, no roteiro, na direção…impossível não se emocionar e se identificar com aquela família. 

Longa-Metragem “Benzinho”.

Em 2018, fui convidado para integrar o elenco da série do Canal Brasil OS ÚLTIMOS DIAS DE GILDA. Mais uma parceria deliciosa com Gustavo e Karine.

A série é uma adaptação do monólogo teatral escrito por Rodrigo de Roure e interpretado por Karine Teles em 2004 e remontada em 2018. Conta a história de uma mulher livre de amarras, despida de preconceitos e sexualmente, emocionalmente bem resolvida. Mas isso, obviamente incomoda muito…

Na série do Canal Brasil “Os Últimos Dias de Gilda”.

Meu personagem é Inácio, braço direito de Gilda na criação e abate de suas galinhas e porcos, um de seus namorados/amantes, e também Ogã no terreiro que a personagem frequenta. Participando assim de um dos núcleos mais bonitos e fortes da série: o que fala de intolerância religiosa. Num momento da série, o terreiro que Gilda e Inácio frequentam é depredado no dia seguinte de uma festa. O diretor Gustavo Pizzi quis que filmássemos na ordem cronológica do roteiro, para que isso afetasse os atores de alguma maneira.

E assim foi: filmamos a cena da festa numa noite especial, com figurantes que eram realmente da umbanda, lua cheia, música e alegria. Gustavo deixou a câmera ligada enquanto acontecia a música e a encenação do ritual e depois editou. No dia seguinte, a direção de arte quebrou tudo para a cena que meu personagem e de Karine chegavam no terreiro destruído. Gustavo não quis ensaiar e não pudemos ver o set antes, para que ele pudesse rodar nossa reação de surpresa e tristeza ao chegar ao local devastado.

Na série do Canal brasil “Os Últimos Dias de Gilda”.

Adaptação do monólogo teatral de Rodrigo de Roure.

Vale dizer que a série foi rodada em 2018, entre o primeiro e o segundo turno das eleições mais tristes de nosso país. Contar essa história que fala de solidariedade, sororidade, empatia, num período onde o discurso de ódio estava a pleno vapor, foi difícil, mas ao mesmo tempo libertador. Existia um clima de apreensão e tristeza no set, mas estar ali, trabalhando com uma equipe incrível e focada, falando como é possível se juntar para combater o que nos atacava – e ainda nos ataca, cada vez mais – foi uma experiência única. 

Pouca gente sabe, mas na época, eu passava por uma depressão profunda. Ajudar a contar a história dessa mulher, ao lado desses grandes artistas, e pensar em todas as questões importantes e urgentes que a série aborda, foi o início do meu processo de cura e com certeza me deu forças para aguentar tudo que viria depois das trágicas eleições de 2018. A arte mais uma vez me salvando…

OS ÚLTIMOS DIAS DE GILDA foi a primeira série brasileira até agora a ser selecionada para o Festival de Berlim e está disponível na GloboPlay.

Série do Canal Brasil: “Os Últimos Dias de Gilda”.

“Os Últimos Dias de Gilda”.

Francis Fachetti – Esclareça tudo dessa obra-documento teatral: “Cabeça, um Documentário Cênico”. Ela possui um desenvolver cênico não habitual, causando uma certa estranheza que se desfaz no desenrolar necessário – conectando várias formas em cena de expressar sua narrativa. Fale sobre seu olhar nesse espetáculo peculiar e de grande força dramática em mensagens que convergem interpretação, música e relatos pessoais. Dê o seu depoimento, desfiando-o. Possui agenda para 2022? Divulgue.

Lucas Gouvêa – CABEÇA – UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO foi realmente um divisor de águas na minha carreira e na minha vida.

CABEÇA estreou em 2016, quando o lançamento do álbum “Cabeça dinossauro” dos titãs completava 30 anos.

Fazíamos essa viagem documental e musical para 1986, e falávamos da nossa relação com o disco e com as questões do país levantadas nas músicas.

Foi um grande sucesso: várias indicações a prêmios (levamos o Shell de música), várias temporadas no Rio (nem me lembro quantas), viagens pelo Brasil, excelentes críticas, e o melhor – uma recepção incrível e calorosa do público em todos os lugares em que apresentamos o espetáculo.

Espetáculo: “Cabeça – Um Documentário Cênico” – Cia Complexo Duplo.

Nesses anos de estrada, penso muito nas razões do sucesso de CABEÇA. Aqui exponho algumas:

A força das canções dos Titãs:

O álbum lançado em 1986, em plena redemocratização do Brasil, tinha o poder de soltar um grito que estava preso na garganta de todos. Temas como igreja, polícia, violência do estado, consumismo, família, política, novamente super atuais, 30 anos depois, causam uma reflexão necessária da plateia e uma vontade de dar esse grito novamente junto com a gente.

“Cabeça – Um Documentário Cênico”.

– O poder da música em cena:

Já havia participado de espetáculos com intervenções musicais, algumas executadas ao vivo, mas foi a primeira vez que pude fazer algo aproximado de um musical ou show: ensaios em estúdios, um engenheiro de som na equipe, todas as músicas cantadas e tocadas ao vivo. A música é uma arte que chega nas pessoas instantaneamente.

Junto com o teatro tem uma força muito grande. Músicas conhecidas por todos, no estilo rock’n’roll então…

“Cabeça – Um Documentário Cênico”.

– A quebra da expectativa de um musical “biográfico”:

Durante os ensaios, quando contava a alguém que faríamos um espetáculo sobre o disco dos Titãs, a primeira pergunta era: “E você vai fazer qual deles?” Como o espetáculo subvertia o conceito de teatro musical biográfico e passava a ser mais “autobiográfico” – pois eram as histórias de vida dos atores e sua relação com as canções – isso causava uma quebra de expectativa muito benéfica para o espectador, pois tudo podia acontecer, não eram histórias conhecidas e a curiosidade era aguçada durante toda a duração da peça.

Musical: “Cabeça Um Documentário Cênico”.

– A descoberta do gênero Teatro/Documentário:

O gênero não era muito conhecido e/ou palatável na época da estreia. Já despertava a curiosidade pelo subtítulo: UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO. Além disso, o documento como ponto de partida não era um livro, um diário ou uma entrevista. Era um disco. E um disco que foi um dos mais vendidos e executados nas rádios na história da música brasileira.

Não era um documento que estava guardado numa biblioteca ou nas páginas de um livro que poucos leram. Era um documento que muitos têm acesso há mais de 30 anos e está na memória de várias gerações. O público chegava para assistir ao espetáculo já preparado afetivamente para o que ia ver e ouvir ali.

Então, a identificação com o gênero era imediata.

Elenco do Musical Teatro/Documentário: “Cabeça – Um Documentário Cênico”.

Cia Coletivo Complexo Duplo.

– A atualidade das letras das canções:

O baterista de Cabeça Dinossauro, o ex-Titã Charles Gavin, disse emocionadíssimo ao final do espetáculo: “Caramba…parece que a gente rodou, rodou, rodou e voltou para o mesmo lugar…”.

Em 2016, ano da estreia da peça, o Brasil estava caminhando para grande tragédia que se abateria sobre nós em 2018 e infelizmente ainda estamos nela. O disco Cabeça Dinossauro é um disco quase em sua totalidade, político. Se as letras das canções já eram impactantes no ano de seu lançamento – como uma espécie de Raio X do Brasil – 30 anos depois, com todos os retrocessos que estamos acompanhando diariamente, as letras ganharam outra dimensão, como se agora rasgassem a carne e expusessem as entranhas do país. Quem não era nascido na época do lançamento do disco, se identifica com a atualidade das canções e/ou se impacta com a descoberta delas. Quem viveu nos anos 80 e sabe que pouca coisa mudou, acompanha o espetáculo com cumplicidade, perplexidade e nostalgia.

– O espetáculo como Show de Rock:

Acontece uma coisa muito interessante com CABEÇA: Muitas pessoas assistem e querem ver de novo, acompanham a carreira da peça pelas redes sociais e torcem para que o espetáculo retorne em uma nova temporada, num efeito quase “Rock Horror Picture Show”. As pessoas assistem, e voltam trazendo amigos e esses amigos retornam trazendo mais amigos. É teatro, mas assistem também como se fosse o show de uma banda que gostam muito: cantam juntos, sabem a ordem das cenas, esperam determinada piada, se emocionam novamente com algum trecho que se identificam mais, e ao final, no Bis, se levantam e dançam, cantam e gritam. Como ator, vendo tudo isso lá do palco, é uma experiência inexplicável…

– O encontro de gerações:

Outra coisa muito bonita que sempre aconteceu, é que muitas pessoas assistem e voltam com os filhos. Uma mulher que estava grávida em 86, volta com o filho de 30 anos. O pai que tinha na época a mesma idade que o filho tem agora, volta com ele. Pais e mães levam crianças para assistir para apresentar o disco que ouviam quando mais jovens. E por aí vai. São tantas histórias incríveis e lindas que dariam para fazer outro Documentário cênico.

CABEÇA – UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO ainda está vivo e na estrada!

Paramos por mais de um ano por causa da Pandemia, mas estamos com algumas apresentações agendadas:

14 e 15 de outubro de 2021 – CCBB Rio de Janeiro

02 e 03 de fevereiro de 2022 – CCBB Belo Horizonte

07 e 08 de abril de 2022 – CCBB de São Paulo

14 e 15 de julho de 2022 – CCBB de Brasília

Essas apresentações fazem parte do Projeto ROCK BRASIL 40 anos.



Francis Fachetti – Fechando com chave de diamante, como costumo dizer aqui, discorra,  esmiúce o que achar mais necessário e enriquecedor, saciando nossa curiosidade, comentando sobre as seguintes cenas teatrais que teve sua presença categórica: “Dançando no Escuro – musical”; “Dois Amores e um Bicho”; “Berio sem Censura”, com a Diva Fernanda Montenegro em cena. “Amores”, remontagem do mestre Domingos Oliveira.

Lucas Gouvêa – Em 2017, estava viajando com CABEÇA – UM DOCUMENTÁRIO CÊNICO, e o amigo e grande ator Leandro Daniel Colombo me ligou e disse que tinha me indicado para o elenco da versão brasileira do musical DANÇANDO NO ESCURO.

Fiquei super feliz, mas receoso. Nunca tinha participado de um grande projeto de musical.

A parte do canto achava que daria conta, mas me preocupavam as coreografias: Dançar sempre foi um grande bloqueio. Mas, lá fui eu participar de uma leitura com a diretora Dani Barros e o elenco.

Fui selecionado e começaram os ensaios! O filme “Dançando no escuro” de Lars Von trier me marcou profundamente como a coisa mais triste que já tinha visto na vida. Me lembro que assisti no cinema do Laura Alvim e dei um vexame, tremia de tanto chorar e de frio por causa do forte ar condicionado. Prometi a mim mesmo que nunca mais assistiria ao filme, desses que são ótimos, mas servem para ser vistos uma vez só. Mas, como nessa vida a gente não pode dizer “nunca mais”, lá estava eu fazendo parte dessa história tristíssima, mas que levanta questões importantes nesses tempos sombrios.

O projeto foi contemplado no edital de fomento da prefeitura (aquele que o Eduardo Paes e o Crivella deram o calote). Os idealizadores e artistas Luis Antônio Fortes e Juliane Bodini decidiram, com muita garra e coragem, levantar o espetáculo mesmo assim. Nunca tinha visto uma equipe tão grande! Os ensaios para a equipe lotavam a sala de ensaio. Só artistas incríveis que toparam fazer mesmo diante das dificuldades que a falta de dinheiro traz. 

O grande desafio para mim, foi construir o personagem Bill, o grande “vilâo” da história. Para fugir do estereótipo do malvado, tentei entender as motivações do personagem e optei por seguir o caminho da covardia dele, o que vemos hoje em dia nos “cidadãos de bem” do Brasil: fortes quando tem uma arma na mão, frágeis quando tentam lidar com suas inseguranças.

Por esse papel, fui indicado ao Prêmio Botequim cultural como ator coadjuvante. Vale ressaltar que o elenco e equipe desenvolveram um mecanismo de defesa bem interessante durante os ensaios e temporadas: Contávamos essa história brutal no palco, mas nos bastidores éramos puro afeto e gargalhadas.

Foi a coxia mais divertida da minha vida profissional.

Espetáculo Musical: “Dançando no Escuro” de Lars Von Trier.

Direção: Dani Barros.

Em cena: “dançando no Escuro”.

Em cena com Juliana Bodini em: “Dançando no Escuro”.

“Dançando no Escuro”.

DOIS AMORES E UM BICHO é uma peça impactante escrita pelo venezuelano Gustavo Ott e levanta também questões importantíssimas atualmente: homofobia, intolerância, relacionamentos tóxicos, violência.

Espetáculo: “Dois Amores e um Bicho”. Texto do venezuelano Gustavo Ott.

O grande amigo e grande ator José Karini me apresentou o texto e me chamou para uma parceria inusitada. Por questões de agenda, ele não poderia fazer a primeira temporada inteira e propôs que construíssemos o personagem Pablo, juntos, e dividíssemos as temporadas. Aceitei na hora: pelo texto, pela concepção do espetáculo da diretora Danielle Martins de Farias, e principalmente pela oportunidade de experimentar esse processo de criação com o karini.

Ter a oportunidade de dividir o trabalho com outro ator foi muito enriquecedora…observar de fora o que outro artista pensou e criou sobre o mesmo personagem que você está pensando e criando foi uma experiência única e o resultado muito satisfatório.

Em cena, ficava claro o que “peguei” da abordagem e entendimento de José karini sobre o personagem e vice-versa. O espetáculo cumpriu 3 temporadas no Rio, participou de festivais e fez o circuito das lonas culturais, com debates muito interessantes após as apresentações. 

“Dois Amores e um Bicho”. Em cena com Julie Wein.

“Dois Amores e um Bicho”.

Em 2020, em plena pandemia, através do edital Cultura presente nas redes, fizemos o filme-documentário DOIS AMORES E UM BICHO – UMA CARTOGRAFIA DA CONVIVÊNCIA que está disponível no Youtube no canal da Notórias produções.

Filme/Documentário: Dois Amores e um Bicho – Uma Cartografia Da Convivência”.

A primeira vez que vi um trabalho da Cia Teatro Autônomo, do diretor Jeferson Miranda foi em DEVE HAVER ALGUM SENTIDO EM MIM QUE BASTA em 2004.

Estava retomando minha carreira, depois de quase 3 anos afastado dos palcos e do Rio de Janeiro. Conhecer o belíssimo trabalho de Jeferson e de todos aqueles artistas incríveis (Miwá Yanagizawa, Otto Jr, Adriano Garib, Gisele Fróes) me impactou profundamente e era o estímulo que eu precisava naquele momento delicado da minha vida. Nem poderia imaginar que ao longo dos anos, eu conheceria e trabalharia com eles (com Otto fiz LINGUAS ESTRANHAS em 2006, com Gisele fiz ROCK’N’ROLL em 2009 e fui dirigido por Miwá em VULGAR em 2015, mas essas são outras histórias…).

Espetáculo: “Línguas Estranhas”. Em cena com Otto Jr.

Com Armando Babaiof na filmagem do longa: “Homem Livre”.

Espetáculo: “Vulgar”. Em cena com Luisa Friese.

Para minha grande surpresa e alegria, Jeferson me convidou para fazer um espetáculo chamado BERIO SEM CENSURA. Era uma ópera multimídia autobiográfica da grande compositora brasileira Jocy de Oliveira, que contava sua relação pessoal e profissional com o compositor italiano Luciano Berio. Esse trabalho me traz lembranças inesquecíveis e marcantes na minha trajetória:

Foi a primeira vez que interpretei um personagem real (o trabalho passou por uma intensa pesquisa de vídeos de Berio, estudo de sotaque italiano com a saudosa e querida Marly Britto e conversas com pessoas que conviveram com o personagem título).

A apresentação no Rio de Janeiro foi no Theatro Municipal (palco que pouquíssimos atores tiveram a honra de pisar).

O espetáculo tinha, além da participação dos músicos da Ensemble Jocy de Oliveira, a Orquestra Sinfônica Brasileira (regida pelo maestro Roberto Minczuk) – executando as músicas de Jocy e Berio ao vivo.

E junto comigo em cena, a atriz Gabriela Carneiro da Cunha, a soprano Gabriela Geluda, e nada mais nada menos que a grande Fernanda Montenegro!

A participação de Fernanda Montenegro era pontual: em determinado momento do espetáculo, ela entrava em cena e dava seu depoimento real de quando trabalhou com Jocy e Luciano em um espetáculo dos anos 60: APAGUE MEU SPOTLIGHT.

No dia da estreia, no Teatro Municipal, Fernandona chegou para seu único ensaio. E bastou para que aumentasse ainda mais meu respeito e admiração por essa artista gigante – a maneira como ela foi educada e respeitosa com todos da equipe (do pessoal da limpeza do teatro até o maestro Minczuk), e em como ela foi para um cantinho do palco antes do ensaio e repetiu várias vezes o seu texto, bem baixinho.

Quando começou o ensaio, o Teatro parou para assistir e se emocionar com seu depoimento, que falava dos grandes parceiros que já tinham partido (Ítalo Rossi, Sérgio Britto, Fernando Torres, Gianni Ratto). No final do ensaio me disse: “Repita seu texto muitas vezes. Quando você acha que se esgotaram as possibilidades, sempre vem uma coisa nova e boa”. Uma lição para a vida inteira.

BERIO SEM CENSURA teve uma única apresentação no Theatro Municipal do Rio de Janeiro lotado e duas sessões no SESC Vila Mariana em São Paulo em 2012.

Espetáculo: “Berio Sem Censura”. Com Gabriela Carneiro Da Cunha,

Jocy De Oliveira e Gabriela Geluda.

“Berio Sem Censura”. Com Fernanda Montenegro, Jocy De Oliveira, Gabriela Carneiro da Cunha, e os músicos.

Sempre admirei muito o trabalho de Domingos Oliveira: como escritor, diretor e ator – uma cena do espetáculo POBRE GENTE baseado em Dostoiévski onde ele falava um texto descrevendo a perda de um botão do casaco nunca saiu da minha memória).

Em 2014, novamente o parceiro e amigo José Karini me ligou para me perguntar se eu toparia fazer uma remontagem de AMORES, texto clássico de Domingos Oliveira dos anos 90, com sua companhia Os Dezequilibrados.

Por uma questão pessoal, eu e o diretor Ivan Sugahara não nos falávamos há 14 anos. E retomar a parceria e amizade com ele depois de tantos anos, e numa peça que fala de amor e amizade, foi a prova de que os limites entre vida e arte são muito tênues… 

Fazia o personagem Rafael, namorado bissexual de Luíza (Ana Abott) que ao longo da peça descobre ser soropositivo.

Espetáculo: “Amores” de Domingos Oliveira. Em cena com Ana Abbott.

“Amores’. Em cena com Ana Abbott.

No final da peça, todos os personagens tinham um monólogo final, menos Rafael…Domingos não incluiu na época. Eu e Ivan decidimos que seria importante para o espetáculo.

Escrevi o texto e no dia da estreia, Domingos estava na plateia superatento e emocionado. Após o espetáculo brincou e disse: “Parece que o texto foi escrito por mim”.

Era a primeira vez que assinava um texto em um espetáculo e ouvir isso de Domingos foi tão gratificante que me deu coragem para dar mais vazão a esse meu lado dramaturgo.

Durante a temporada, nós do elenco e equipe começamos a frequentar os saraus incríveis no apartamento de Domingos. Conviver com esse grande artista pouco antes de sua morte, foi um desses presentes imensos que a profissão me deu. Sou profundamente grato a todos os artistas que trabalhei até agora: Aos que conheci no primeiro dia de ensaio e aos que já admirava muito antes de ter a honra de poder compartilhar um palco, set ou estúdio. 

Respondendo a essas perguntas para o Entrevista NECESSÁRIA, fiz uma viagem no tempo muito prazerosa e revigorante. Relembrar tantas histórias, pessoas e trabalhos, nesses tempos terríveis, me deu a certeza de que estou trilhando o caminho certo.

Sigamos na fé. Com força, sensibilidade e afeto. Sempre.

Obrigado, Francis Fachetti!

OUTROS TRABALHOS EFETIVADOS:

Espetáculo: “A Morte Do Pato”.

“Duas Vezes Um Quarto”.

Espetáculo: “Duas Vezes Um Quarto”.

Espetáculo: “Ludi Na Revolta Da Vacina”. Com Isabela Dionísio.

“Ludi Na Revolta Da Vacina”. Com: Marcelo Guerra, Isabela Dionísio e Thais Tedesco.

Com Guilherme Piva em “Rio 2065”.

Com Leticia Isnard em “Rio 2065”.

Filmagem do Curta: “Um Pouco a Mais”.

Na novela: “I Love Paraisópolis”.

Terceira temporada da série “Magnífica 70”.

Em “O Anjo Negro”.

Em “O Anjo Negro”.

Simplesmente:

LUCAS GOUVÊA.

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